sábado, 16 de junho de 2018

Carretão: o outro lugar no mesmo espaço, os outros que evocam os mesmos outros

                                                                      

To enter implics moving, leaving in order to be able to penetrate. One enters a way of thought as one enters an organization, fraternal order, or political party.
(François Jullien.  [Trad. Jody Gladding]. The book of beginnings. 2015, p. 2.)


A Terra Indígena Carretão do povo Tapuia estava em festa, enfeitada, aguardando os parentes, seus convidados. Era um dia festivo, porque era um acontecimento histórico, para todos/as, mas muito mais para o povo Tapuia. Criou-se um movimento vivido e possível de ser sentido por todos/as: de Aruanã, saíram os/as Iny; de Aragarças, os/as A’Uwẽ; de Minaçu, os/as Avá e os/as Apyãwa; de Goiânia, servidores/as da Seduce-GO e professoras do Núcleo Takynahakỹ, do Museu Antropológico e da Faculdade de Letras da UFG; da Cidade de Goiás, vieram a professora, um e uma estudante da UEG, e as servidoras da CRECE; de Rubiataba e de Piranhas chegaram as servidoras das CRECE, tudo num movimento dialogado e compartilhado, em trocas pelo WathsApp, todos/as rumo aos Tapuias. Tapuia era o canal, Tapuia era a direção, era o assunto, era o lugar de chegada e de encontro. O sentido de retorno envolvia-nos a muitos/as. Pela manhã do dia 13 de junho, dia de Santo Antônio no calendário cristão católico, foram abertos os trabalhos com uma saudação, cantada e dançada, ao sol/dia e à natureza pelo povo A’Uwẽ e pelo povo Tapuia.



Depois do ritual (canto/dança) de invocação dos espíritos para abençoar os trabalhos da semana, o Professor Cristóvão, coordenador dos/as Intérpretes e líder dos A’Uwẽ, fez uma linda fala sobre a saudação do dia/sol/natureza. Sua fala pode ser encontrada em:  <<https://www.youtube.com/watch?v=UFOsAdB53ho&gt>. Em seguida, os/as Tapuia dançaram sua Roda Tapuia para recepcionar os/as convidados/as:

 

Os A’Uwẽ foram convidados pelos Tapuia a dançar com eles e aceitaram de pronto. O Líder Cristóvão indicou alguns A’Uwẽ para entrar na roda da dança Tapuia e lá foram eles, entraram e dançaram. Foi um momento lindo e de muita emoção! Só quem conhece o povo e a história Tapuia pode entender o que significa A’Uwẽ e Tapuia naquele abraço de corpo e alma, além do do tempo, no ritmo da dança, dança que é com corpo e com a alma, num encontro esperado e buscado, pisando e repisando no chão das terras malhadas do Carretão, mais de dois séculos e meio depois do refluxo do aldeamento Pedro III. 

O povo indígena Tapuia descende do aldeamento Pedro III, construído no século XVIII para “abrigar” o Xavante, “povo muito bravo, que estava impedindo o progresso da capitania”. Além do Xavante foram aldeados no Carretão também os povos Iny/Javaé e Akwẽ. Nesse momento, estiveram no Carretão, para a Formação, com o Tapuia, os A’Uwẽ, os Iny, os Avá e os Apyawa, que são os povos indígenas existentes em Goiás. É a primeira vez que todos os povos se reúnem no Carretão e é a primeira vez que os A’Uwẽ voltam, historicamente, ao Carretão e dançam com os Tapuia a dança dos Tapuia, um povo que vem, ao longo desses dois séculos e meio, juntando seus pedaços, que se reinventa e se inventa, para sua própria sobrevivência. Tudo aconteceu de forma energizada pela invocação dos espíritos pelo líder Cristóvão, líder de todos/as nós. E assim, por fim, deu-se início à Formação de Professores/as da Educação Escolar Indígena de Goiás, com a temática “Identidade, Interculturalidade e Currículo da Educação Escolar Indígena”, na Terra Indígena Carretão do Povo Tapuia, em Rubiataba-GO.

No último dia do encontro, outro acontecimento muito importante na Formação foi a Corrida de Tora de Buriti, tradição A’Uwẽ, que, dessa vez, contou com a participação de uma mulher - e que participação! (falarei mais disso noutra ocasião).  


Após a Corrida de Tora, houve a Dança de Tora de Buriti e, nesse momento, o A’Uwẽ convidou o Tapuia para a dança. Welington, o Vice-Cacique Tapuia, e Cleiton, intelectual, professor e um dos (re)inventores do ser Tapuia, dançaram com/entre os A’Uwẽ, e, naquele momento, eles eram Tapuia e eram A’Uwẽ. Houve total ruptura das fronteiras e total turbulência do tempo, do espaço e das identidades. Mais emoção, mais lindezas. Generosidade A’Uwẽ, generosidade Tapuia. Abertura de todos os lados: transculturalidade!

A educação escolar indígena, o potencial de luta e a capacidade de resiliência do povo Tapuia, um povo que se (re)inventa a cada dia, possibilitaram sua reexistência como povo e seu reencontro com sua ancestralidade por meio da roda da dança Tapuia com o povo A’Uwẽ na terra do Carretão, que é/sempre foi a terra do Xavante: o aldeamento Pedro III, também agora reinventado. Impossível descrever o que se passou ali. O que é tempo? O que é espaço? Não há por certo linearidade nem sequencialidade, e reinventar o passado é uma urgência sempre! Ainda que as lutas continuem, porque têm de continuar, ali, bem em frente à capela cristã dos padres, onde antes houve lágrimas e sangue derramados, agora, há o encontro e a esperança na união da luta mútua por dias melhores. A educação, a escola e a língua que os desagregaram e os segregaram podem ser o elo e o espaço da união em busca da mesma causa, com a mesma força. 














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