domingo, 27 de dezembro de 2015

Véi, na boa: aceita que dói menos!

Os/As estudantes secundaristas de Goiás estão ocupando as escolas estaduais em protesto contra as OS na educação. Eles/Elas se organizaram e continuam se organizando, fazendo atos políticos, públicos ou restritos. A polícia também já se manifestou, com truculência e sem argumentos, pois seu argumento único é a truculência. A secretária da educação de Goiás não se abriu ao diálogo com os/as estudantes e tem se manifestado de forma autoritária e intransigente em relação à ocupação das escolas. O governador continua defendendo as OS e a militarização das escolas estaduais. A sociedade está dividida, as comunidades onde se situam as escolas ocupadas têm se mostrado solidárias à ação dos/as secundaristas e têm contribuído com a sobrevivência deles/delas. Em contrapartida à atuação dos/as secundaristas, emerge um movimento de estudantes em Goiânia, propondo a criação de uma nova Une, mais conservadora e direitista. Enfim, este é um resumo bastante superficial da situação, mais informações podem ser acessadas nas redes sociais dos movimentos secundaristas. Meu objetivo, neste texto, é outro.

Nós, professoras e professores, temos sido conclamados/as a participar do movimento, recolhendo donativos para abastecer as escolas de alimentos, produtos de limpeza, colchões etc. Até aí, tudo bem, fiquei feliz de poder contribuir. A outra proposta vem de colegas professores/as para oferecermos oficinas de leitura de textos do cânone literário, debates sobre filmes que escolheremos e por aí vai. Isso me causou um pouco de desconforto e acovardamento. Explico.

Os/As estudantes estão dando um banho de participação política organizada, inteligente, crítica e consciente. Estou encantada com tudo que tenho visto e ouvido. O movimento secundarista colocou Goiás no cenário nacional de forma positiva e respeitosa, ao contrário dos movimentos docentes. A universidade saiu recentemente de uma greve, uma greve sem movimento, sem luta e sem resultados, mais uma greve sem resultados. Não vi ainda nenhum movimento docente em defesa da educação básica liderado pelas associações e sindicatos, de forma tão organizada e inteligente. São ações isoladas de pequenos grupos voluntariados. Gostaríamos todos/as de ser estudante e de estar nessa luta como estudante! Mas, não somos mais estudantes. Não sabemos fazer movimento estudantil como eles/elas estão fazendo, porque quando éramos estudantes a situação era outra. Não podemos nos aproveitar do momento dessa geração para reviver o que não vivemos ou o que temos saudade, não, o momento é dele/delas! Deixe que eles/elas vivam seu protagonismo histórico!

Além do mais, o que tenho eu, do alto da torre de marfim, que é a Faculdade de Letras da UFG, e de dentro do meu clássico e canônico conhecimento, para ensinar para esses/essas alunos/as em luta? Oficina de leitura e escrita? Gênero textual, princípios de textualidade? Oralização de poesia? Teoria da narrativa ou do teatro? Gramática normativa? (azzzz) Nova ortografia portuguesa? (Deus me livre!). Com ou sem hífen, com ou sem crase, eles/elas estão transformando a sua realidade a duras penas, conhecendo ou não a literatura de Poe, Machado de Assis, Graça Aranha ou Gilberto Noll. Não precisam estudar a Nova Gramática do Português Brasileiro, de Ataliba de Castilho, para saber que as práticas sociolinguísticas da elite letrada do Norte global, (Sudeste (um pinguinho de Sul, um pinguinho de Nordeste) brasileiro), de Boaventura de Sousa Santos, é a atual e legítima norma culta do português brasileiro; não precisam ler Marcos Bagno pra saber que preconceito linguístico existe, porque vivem isso, na pele, todos os dias de suas ainda curtas vidas. 

Não, eu não tenho o que ensinar pra esses/essas meninos/as, porque meu saber se aprende nos livros e nos filmes, minhas informações vêm da mídia e das escolas; o saber deles/delas vem da vida, é aprendido de dentro da própria vida, é arrancado das entranhas da vida pouco vivida, pouco dormida, pouco alimentada. Eles/Elas estão construindo um conhecimento, dentro das escolas, que a escola jamais conseguirá lhes ensinar. Professor/a nenhum/a é capaz de promover a construção do conhecimento que esses/essas meninos/as estão experienciando neste momento, apesar da escola, apesar de professores/as, de gestores/as etc. Vamos fazer oficinas pra nós mesmos/as, para refletirmos sobre nossa atuação profissional, sobre os rumos da escola, da formação de docentes, vamos, eu topo.   

Meu objetivo, com este texto, é estimular a reflexão sobre o nosso lugar e o nosso papel frente à atuação política, extremamente organizada, consciente e crítica, de estudantes da educação básica, em um estado em que os/as gestores/as públicos/as se gabam de ter colocado a educação pública em patamares elogiáveis (vide avaliação no Ideb: http://ideb.inep.gov.br/resultado), ao passo que a sociedade clama por militarização e os/as profissionais da educação criticam o ensino, devido à falta de condições de trabalho. Pela atuação dos/as estudantes na ocupação das escolas, temos de admitir que, embora o resultado no Ideb (5,3) seja medíocre, nossa educação vai bem, e não é por conta da avaliação no Ideb não, é devido à força de participação política organizada em um momento crucial das tomadas de decisão para a educação pública em Goiás. 

Não tenho a ensinar, somente a aprender.