segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

IDENTIDADE COMPARTILHADA

Fotos de Omi Kaya

‎"Sou negra"
Negros olhos...
Negros cabelos...
Pele negra...

... Vinda de África
De ancestrais guerreiros...
Trazidos em navios negreiros
Carrego no coração as marcas do cativeiro...

Protegida pelos orixás
Entidades de força e coragem
Oxum, Yansã e Yemanjá...
Sou chuva, sou vento, tempestade...

Forjada pra seguir na luta...
Guerreira!
Não fujo da batalha...

Minha cor não nega...
Sou negra!


Ornella M. Rodrigues
Ver mais
 

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O último ato: homenagem a Leonardo Lima - estudante de Letras/UFG, brutalmente assassinado, em Goiânia!




no rosto a expressão é branda e serena sem medo sem perguntas sem questionamentos nem resistências... passos decididos postura austera cabeça erguida coragem dignidade movimentos firmes delicados graciosos olhar seguro devaneia a procura... do nada... braços soltos leves esvoaçantes asas errantes pernas lânguidas pálpebras cerradas o corpo é suporte da entrega e disfarce da alma... desce a cortina... aplauso? Silêncio... apenas silêncio

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

NOTA DE FALECIMENTO

Faleceu o Prof. Egidio Turchi, pioneiro da UFG e um dos fundadores da Faculdade de Letras; pai da Profª Maria Zaira Turchi nossa ex-diretora. 

O corpo está sendo velado no cemitério Jardim das Palmeiras, onde será sepultado amanhã às 9h. 

Nossas condolências à família.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Gêneros da alma

Ainda falando de respeito humano e ao ser humano. Em nossa cultura, respeitam-se os homens, ainda que estes não mereçam nem sejam dignos de respeito. Os homens temem os homens e, por isso, os respeitam. Não temem as mulheres e, por isso, não as respeitam. O namorado é cuidadoso e receoso com relação ao pai da namorada. Se, todavia, a namorada não tiver pai o namorado fica "bem mais à vontade". O vizinho respeita muito a casa e a família ao lado, porque na casa está o marido, o pai, a figura masculina digna de respeito.Ainda que o patriarca não seja o chefe de família. Os homens tendem a não respeitar a casa da viúva nem da separada. Falta a figura imponente do macho. A moça, quando se prepara para se casar, recebe como aconselhamento de uma mulher mais velha (a mãe, a avó, a tia…): "tome todas as decisões e providências, faça o que for melhor para sua família e sua casa, mas deixe seu marido pensar que é a vontade dele, que é ele quem está decidindo e tomando as providências, faça parecer que ele é a autoridade da casa". Pode-se depreender disso que o homem é e sempre foi frágil e inseguro, embora detenha força física, não esteja sujeito a efeitos hormonais cíclicos nem tenha sido historicamente oprimido como a mulher. Foi necessário um intenso trabalho de empoderamento do masculino e repressão do feminino. Há um construto simbólico-discursivo mantido pela tradição, em que a mulher precisa de um homem, ela só estará amparada se estiver sob a guarda e custódia de um homem (o pai, um irmão, o marido); ela só será digna de respeito se tiver um homem que a defenda e responda por ela; e por aí vai.
A mulher conquistou espaço e passou a ser também a provedora, além de ter poder de decisão e tomada de atitude, ser capaz de administrar a vida no lar, organizar a casa e cuidar da família, sem perder a ternura, a doçura e feminilidade. Os papéis entraram em processo de reelaboração. Nesse processo, o papel do masculino parece não se contrastar mais com o feminino. Pelo contrário, parecem se (con)fundir. Entretanto, a neutralização de papéis entre o masculino e o feminino, aos olhos da sociedade conservadora, diminui o homem e o feminiza. Estamos em processo de construção do homem feminino e da mulher maculina. E o homem, que deveria assumir com orgulho esse novo perfil, sente-se perdido e inseguro. A mulher, sobrecarregada e dividida, sente-se cansada. Ouvi de um psicólogo amigo meu; "a mulher queria ser igual ao homem, taí, agora aguenta". A mulher não queria ser igual ao homem. A mulher quer ter os mesmos direitos na vida, na sociedade; ser respeitada como ser humano e como mulher; a mulher quer dar visibilidade ao seu papel na família e na sociedade; deixar de fazer de conta que é secundária, não ter de deixar o marido e a sociedade pensarem que é o marido que faz tudo, quando na verdade é ela que faz. Visibilidade, reconhecimento e justiça: é isso que a mulher quer, na verdade, sem perder a feminilidade. O que aconteceu é que a mulher assumiu, de forma escancarada, todos os deveres e responsabilidades, sem ter direitos. E a sociedade legitima isso com seu discurso machista ultrapassado.
Mesmo diante dessa conjuntura, o homem resiste em respeitar a mulher, em dispensar à mulher o respeito humano que todos merecemos. Todos sem exceção devem ser respeitados, pois os anjos (espíritos) não têm sexo e o gênero da alma é não-marcado.  

Idades da alma

Em nossa cultura, em todas as épocas, fala-se muito no respeito à natureza e ao próximo. Exige-se respeito, mas respeita-se pouco. A palavra ‘respeito’ vem do latim re + specto, significando olhar para trás. Com o uso, o item foi adquirindo outras significações. Em contextos religiosos, cristãos, temos nos dez mandamentos o honrar pai e mãe, que remete ao respeito. Tal acepção relaciona ‘respeito’ com ‘temor’: quem teme a Deus, respeita a Deus. Assim, honrar pai e mãe é temer e respeitar pai e mãe. Em contextos de relações sociais, exigem-se respeito aos mais velhos e aos superiores. Atualmente, além dessas significações mais antigas, uma das mais usuais é ‘estima’ e ‘consideração’. Então, ter respeito por alguém pode significar temer, honrar, ter estima e consideração por esse alguém. Observamos também, na sociedade, que há uma hierarquia etária de respeito, dos mais velhos para os mais novos e da forma em que os discursos são organizados, pode-se inferir que as crianças não são respeitáveis. Podemos notar também, na cultura brasileira, que, em geral, os homens são mais respeitados que as mulheres, o que reaproxima o conteúdo de ‘respeito’ ao de ‘temor’. Os homens temem outros homens, por isso, os respeitam.
Neste espaço, quero discutir ‘respeito’ como um tipo de postura e atitude, inserido na hierarquia etária da sociedade. Essa acepção está fazendo com que o direito de algumas categorias sociais torne o uso do conceito ‘respeito’ uma estratégia discursiva apelativa, com a finalidade de persuasão, convencimento. Assim, os mais velhos devem ser respeitados por todos, uma pessoa idosa é digna de respeito. As autoridades, independentemente de sua idade, devem ser respeitadas, os pais, ainda que jovens, devem ser respeitados. No fim das contas, sobram os adolescentes e as crianças.
Não discordo das normas sociais vigentes em nossa cultura. Respeito-as! Todavia, gostaria de defender o respeito aos adolescentes e às crianças. Para tanto, tenho de apelar para o cultivo do respeito ao ser humano, consideradas suas diferentes fases no ciclo da vida. Uma criança merece tanto respeito quanto um idoso. Os problemas das crianças (e também dos adolescentes) aos olhos dos adultos parecem bobagem, pois estes já passaram pelos mesmos dramas e em sua adultice lidam com coisas muito mais graves e sérias. Para as crianças, entretanto, seus problemas são problemas, reais e graves, dentro do constexto e dos limites da infância. É preciso relativizar e ver o outro em seu contexto e em seu momento, considerando os limites tanto do respeito quanto da liberdade.
Os idosos, por outro lado, se reservam o status de "os respeitáveis", por excelência. Em nome disso, querem ditar as regras de conduta e as normas gerais de comportamento. Eles consideram normal, natural e correto que um grupo inteiro de pessoas deixe de viver para respeitar os seus direitos de idoso, para satisfazer seu desejo, necessidade e, muitas vezes, seu capricho de idoso. É preciso relativizar e considerar que todos têm direito a serem respeitados em sua condição de humano.Todos, sem exceção nem ressalvas, merecem respeito em sua condiçao e integridade, porque a alma (o espírito) não tem idade e, ao mesmo tempo, tem todas as idades. Uma criança, muitas vezes, em sua experiência de vida iniciante, está mais aberta, e ajuda um adulto ou um idoso a ver o mundo e os fatos de uma forma diferente, em geral, mais leve e mais justa.

CORES DA ALMA

O item lexical ‘negro’ vem do Latim ‘niger, nigra, nigrum’, significando, por volta do século XIII, cor preta ‘preto‘, sujo, lúgubre; nessa acepção, deriva da raiz -nec(r)~-neg(r), semantema relacionado a escuro (= a cor da morte [necrose, necrotério, etc.], do luto e da tristeza, em algumas culturas) e à negação, negativo, como em ‘negócio‘, que é a negação (ação de negar, impondo seu contrário) do ócio. Negro/a, então, seria a negação (ou a afirmação do seu contrário, do seu oposto) de quê? Acaso é o sujo, contrário de limpo? Ou o escuro, contrário de claro? É o negativo, contrário de positivo? Ou o escuro, sem cor, negação da cor? O léxico, de qualquer língua, é prenhe de ideologia e valorações sociais, historicamente construídas, e nossas escolhas lexicais podem construir e legitimar mentalidades. Quando os romanos nomearam as/os africanas/os de ‘nig-’, impingiram a elas/eles toda a carga semântica, socialmente contruída, da raiz -nec(r)~-neg(r). Cada vez que usamos, de forma pejorativa, o lexema ‘negra/o’, em alusão às cidadãs e aos cidadãos afro-descendentes, legitimamos e fixamos os valores hitórico-sociais construídos e atribuídos a esse povo.  Os povos de cor escura são inferiorizados, discriminados, humilhados e excluídos das esferas e dos espaços de prestígio social. Relegados ao abandono e à pobreza, no geral, salvo poucas exceções, são intimidados e impedidos de desenvolver suas habilidades. Quando as desenvolvem, a despeito dos obstáculos, não podem visibilizá-las. São tratados pela sociedade como incapazes e desprovidos de alma. São reificados, são peças. Tudo isso de forma sutil e quase imperceptível a olho nu, com o aval da sociedade e as bênçãos dos representantes de Deus. A esfera mais poderosa de fixação e legitimação dessas injustiças cósmicas é a do sagrado. As formas de manifestação e de experienciação do sagrado são diferentes, de povo para povo, de cultura para cultura. Algumas são legítimas e reconhecidas outras não; algumas inferiorizadas vão, paulatinamente, conquistando respeito, a maioria nem consegue externar sua existência. Algumas formas de expressão e experienciação do sagrado são consideradas ‘religião’, outras são ‘crenças’, e outras são ‘seitas’. Tudo o que não for considerado ‘religião’ deve ser combatido, expurgado. Logo, seus seguidores serão perseguidos. Assim, os afro-descentes se vêem forçados a se ‘converterem’ a alguma ‘religião’ para salvarem, não as suas almas, mas as suas peles.
Quem decide? Com base em quê e sob quais critérios e circunstâncias?
As mulheres e os homens de cor escura, amparadas/os pela lei, ainda que em pequeno, mas significativo número, vêm cada vez mais conquistando espaços na sociedade. Com isso, essas mulheres e esses homens estão podendo mostrar que são tão capazes como qualquer outro ser humano, que são tão sensíveis quanto qualquer pessoa, que são humanos até mais que muitas pessoas que se julgam muito humanas. Essas mulheres e esses homens possuem alma e coração; são amáveis e sensíveis; são inteligentes e sábios; trazem em si a sabedoria milenar (e até mais) de seus ancestrais e uma profunda consciência cósmica, expressa no respeito a seu semelhante e a si mesmas/os. 
Ora, a alma não tem UMA cor! A alma é de todas as cores! A alma colorida pela alegria e pelo amor faz bem a toda a Humanidade e é disso que precisamos: de almas coloridas

CIRCUNCISÃO NA ALMA

Nos países, cujas culturas não primam pela prática da circuncisão,
as mulheres são preparadas para a vida de uma forma diferente.
São educadas para a virtude e a pureza (pudor) do mesmo jeito.
A despeito da não existência da prática da circuncisão,
as mulheres são castradas, de uma forma que, mesmo sendo liberadas e recebendo permissão,
ou mesmo sabendo que podem qualquer coisa,  não conseguem se soltar nem se entregar.
Trata-se de uma circuncisão mental (psicológica). Não é somente o corte de um pedaço do corpo que mutila a mulher.
A educação repressora desenvolvida em forma de persuasão também mutila, e para o resto da vida.
Este texto é parte de uma reflexão sobre violência simbólica contra a mulher publicada no blog "Confissões de Bertoleza".

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Tempo sem tempo


Reservemos um tempo na agenda lotada
E um espaço na vida corrida
Vamos dar uma chance à vida
Vamos viver aquilo que tanto queremos
Permitamos nos enlouquecer
                                                   um ao outro
                                                   um com o outro
                                                   um no outro
Numa só emoção
Numa só explosão

Emoção / explosão momento vida

Enigma



simpatia 
polidez 
indiferença
muito perto para tão distante
distância tão próxima
proximidade distante
astuta 
assusta 
emudece 
afasta
"De repente não mais que de repente"
o sorriso iluminado de antes
o mesmo brilho quente no olhar
vaga-lume 
vaga vaga 
vagando 
vai e vem
entusiasmo 
euforia 
marasmo 
melancolia
F R U S T R A Ç Ã O!
indiferença?
desinteresse?
mais um jogo?
então?

silêncio...

Enigma II




sentimentos confusos
sentinelas obtusos
a sorte está lançada:
é pegar ou largar
pegar e largar
pegar pra largar
largar pra pegar
joga na esteira da ponte
despreza no leito do rio
deixe que a correnteza arraste
a deriva entregará ao destino

Lascívia



O grito suave do instinto ancestral ecoa pelos lençois de seda anunciando o cio da fera faminta sede fome e desejo o uivo infinito o gemido lascinante não deixa à vítima a menor chance de defesa quem quer se defender afinal?! entre gemidos e ruminações enrolam-se os corpos confundem-se os odores dois corpos em um só corpo oito patas em um só movimento oito olhos em um só olhar na mesma direção em busca da mesma emoção

Sombra



A magia ressurgiu na tarde mágica
brilho ofuscado coberto
um corpo cobre o outro
um corpo aquece o outro
proximidade... invasão
brilha estonteante
aguarda
o corpo caloroso retém
vai-se
não vem
ela espera resplandecente
espera... perde o brilho
uma sombra lhe cobre o rosto
teria caído uma lágrima?!
Nada
foi um sorriso
afastou-se a sombra
ele vem e lhe cobre com seu corpo
com sua luz
ela resplandece...

De Cifras

Olhos penetrantes do bruxo astuto enxergam nos recônditos mais distantes da alma os segredos profundos trancados a sete chaves nada lhe escapa nada lhe foge nada lhe envolve nada lhe perturba sabe de tudo parecendo não saber de nada esgueira esguia volve verte foge corre esquiva-se... medo? a magia da palavra revela a alma calemos pois ou falemos  clandestinamente o clã destino teia tecida pela cifra nos acordes temerários das entranhas mostrar expor ler as entranhas abertas e as víceras rasgadas só o leitor sabe ler as cifras e tocar os acordes que decifram os enigmas venais a palavra mágica desvela mostra ao leitor os sentimentos tormentos é preciso cifrar o leitor decifra é preciso esconder... medo? laços são amarras que amarram ao perigo de prender a alma absorta escraviza o corpo na necessidade ardente temente dependente NÃO! é preciso cifrar e impedir os acordes mágicos da melodia silenciosa que decifra....

Devagar



agora, eu ando bem   d  e  v  a  g  a  r
              Já tive pressa
              corri muito
              tropecei
              escorreguei
              dei com a cara na porta
              bati com a cara na árvore
              caí
              desacelerei
              parei
              estou calma e paciente...
              e é assim que quero te amar
              calmamente
              lentamente
              docemente
              suavemente
              leve 
              solta  
              livre
              como pena no ar

Magiquinhas de Laurinha


Laurinha!!! Cadê seu anelzinho de pérola que a vovó te deu?! 
Mamãe... mãezinha... é que .... mamãe eu...
Para de gaguejar e fala, menina!
Eu fiz uma magiquinha, mamãe, lá na sicola...
Iii??
Eu fiz a magiquinha e ele buuummm sumiu




O tempo

                 
                 o tempo paira sobre a palma da mão
             flanando no ar
             se não o apanhar
             com rápido e preciso golpe
             ele escorre pelas frestas dos dedos
             ... 
             impossível recuperar

ORAÇÃO

PRECE DE CÁRITAS
Psicografada na noite de 25 de dezembro de 1873
pela médium Madame W. Krill, num círculo espírita de Bordeaux, França



            
Deus, nosso pai
vós que sois todo poder e bondade,
dai força àquele que passa pela provação,
dai luz àquele que procura à verdade,
ponde no coração do homem a compaixão e a caridade.
 
DEUS,
dai ao viajor a estrela  guia,
ao aflito a consolação,
ao doente o repouso.                                               
 
PAI,
dai ao culpado o arrependimento,                                                 
ao espírito a verdade,
à criança o guia,
ao órfão o pai
 
SENHOR,
que a vossa bondade se estenda sobre tudo que criaste.
Piedade, Senhor, para aqueles que não vos conhecem,
esperança para aqueles que sofrem.
Que a vossa bondade permita aos espíritos consoladores
derramarem por toda parte a paz, a esperança e a fé.
 
DEUS,
um raio, uma faísca do vosso amor pode abrasar a terra.           
Deixai-nos beber nas fontes esta bondade fecunda e infinita
e todas as lágrimas secarão, todas as dores acalmar-se-ão,
uma só oração, um só pensamento subirá até vós,
como um grito de reconhecimento e de amor.
Como
Moisés
sobre a montanha,
nós Lhe esperamos com os braços abertos.
Oh bondade!
Oh beleza!
Oh perfeição!
E queremos, de alguma sorte, alcançar vossa misericórdia.
 
DEUS,
dai-nos força para ajudar o progresso, a fim de subirmos até vós,
dai-nos a caridade pura,
dai-nos a fé e a razão,
dai-nos a simplicidade, que fará de nossas almas...
um espelho, onde se refletirá a vossa santa e misericordiosa imagem.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

ELE X ela na academia


Disse ELE: Precisamos olhar para trás, para o passado, como foi feito anteriormente, entendermos como se deu a exaustão, porque a exaustão é importante e necessária.
Respondeu ela: Por que é que a gente precisa ficar grudada no passado, parece que só o que passou é que é bom, tudo que é bom ta lá nas glórias do passado, só o passado glorioso é que é bom.
Disse ELE: A senhora diz isso porque a senhora não tem história.
Replicou ela: eu não entendo como que em pleno século XXI um homem ainda diz pra uma mulher que ela não tem história, que um professor universitário, 'doutor' 'bem formado', com 'modos europeus' acredite que pobres, negros, indígenas e outras minorias não têm história... Com base em quê o senhor afirma que eu não tenho história? Por que o senhor acha que eu não tenho história? Porque a escrita da minha história não se conforma ao modelo que o senhor tem de história?... Eu tenho história, sim, só que a minha história foi escrita com a vida na vida... Com autoria e autenticidade... Não é como a sua história, imitação grosseira e frustrada de tantas histórias repetitivas, sempre iguais, escritas sem vida, escritas com pena murcha e tinta seca em papel roto, cheirando a bolor... histórias fossilizadas, em uma língua morta, sem sangue, sem vida, sem originalidade... Imitação das narrativas de feitos heróicos de poucos sobre muitos... histórias inventadas, construídas e repetidas... sempre fieis ao modelo único de repetição da história única, perpetuando valores injustos, imorais e descabidos, mas de acordo com o modelo... Um amontoado de papel bolorento e tinta seca, como as histórias que o senhor impõe aos seus alunos, exigindo deles a leitura única da única verdade escrita... Cegando gerações inteiras, década após década.... Se é essa a história que o senhor me cobra... Quero continuar sem história... Quero morrer sem história... E quem sabe morta eu não consiga encontrar-me com o senhor, Senhor, que já se encontra entre os mortos, historicamente mortos. 

Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. N. A.

terça-feira, 10 de maio de 2011


Descrição linguística contextualizada

Entre o par mínimo e o sentido máximo


Presumivelmente, o ideólogo da resistência anti-USA, Osama Bin Laden, foi morto pelo herói anti-terrorismo, Barak Obama. Em 02 de maio, é estampado no jornal The New York Time:
President Obama announced the killing of Osama bin Laden at the White House on Sunday.
May 2, 2011 - By PETER BAKER, HELENE COOPER and MARK MAZZETTI - World / Asia Pacific.

No domingo, 1 de maio de 2011, o Presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama, reportou o assassinato de Osama bin Laden, fato noticiado pela imprensa do mundo todo.
Osama bin Laden, the mastermind of the most devastating attack on American soil in modern times and the most hunted man in the world, was killed in a firefight with United States forces in Pakistan, President Obama announced on Sunday.

A imprensa brasileira, confusa com os fatos e com os nomes, ora falava da morte de Osama ora da morte de Obama. Uma sutil diferença fonética, uma enorme questão fonêmica, inclusive com sérias implicações sintáticas e autorais.



           O S A M A
           O B A M A


  
Apenas um fonema diz que Osama não é Obama e que Obama não é Osama. Apenas um som separa Osama, o terrorista, de Obama, o anti-terrorista. Temos entre o Presidente herói e o líder terrorista um 'par mínimo' de correspondência assimétrica. Neste caso, a troca de fonema não opõe apenas um item a outro, como em português:







 
           P A T O
           B A T O


uma inocente oposição entre dois itens da língua. Não, no par mínimo Osama / Obama, a oposição se impõe, gritando e festejando. A predicação do nome / o predicado da sentença, entretanto, marca diferença entre as duas figuras: um é líder, o outro é Presidente; um é assassino e terrorista, o outro é justiceiro – justice has been done”.

Trocar o 'b' por 's', neste caso, constitui crime, pecado e, quem sabe, até mesmo um ato terrorista. Mas os profissionais da imprensa falada no Brasil continuam, a todo momento, cometendo o crime hediondo de noticiar ora a morte do Osama ora a morte do Obama. Teremos, por isso, uma implicação diplomática? Talvez não. Mas temos uma séria implicação sintática: troca-se a vítima pelo assassino, ou melhor, justiceiro.
Na língua portuguesa – e o português brasileiro conserva essa característica – a ordem dos constituintes no sintagma e na sentença é significativa. Ou seja, na sintaxe portuguesa, a ordem dos fatores altera o produto.

Com a perda da morfologia de caso, que indicava e marcava as funções sintáticas no latim, a sintaxe da língua portuguesa tornou-se mais rígida. Em se tratando da relação entre as classes nominais, substantivo e adjetivo, que compartilham cargas funcionais equivalentes, podendo as duas classes funcionar como modificador e como modificado, a ordem dos constituintes no sintagma é fundamental. Veja os exemplos: 
(i)                 Magnata        evangélico
         1 substantivo        2   adjetivo                   
                                                      
(ii)                Evangélico    magnata.    
                       1 substantivo        2   adjetivo

A posição ocupada pela categoria morfológica na sentença, em alguns casos, também é fundamental para a definição de sua função sintática. Por exemplo:
(iii)             Pedro             agrediu           João
        1 substantivo         2  verbo         3  substantivo
              sujeito                                                    objeto

(iv)               João              agrediu           Pedro
        1 substantivo         2   verbo         3 substantivo
sujeito                                           objeto

Temos em (i) e (ii), duas típicas sentenças, com a ordem canônica sujeito verbo objeto (SVO), que, claro, não é a única em português. Em (i), Pedro é o agressor-sujeito e João é a vítima-objeto; em (ii), os papeis se invertem e João passa a agressor-sujeito e Pedro a vítima-objeto. A troca da posição dos substantivos Pedro e João na sentença modifica a função sintática de cada um deles, levando à troca de papéis entre Pedro e João. A alteração da posição dos constituintes na sentença pode alterar sua função sintática e o papel enunciativo do sujeito e do objeto. A força da ordem dos constituintes na sentença, envolvendo dois substantivos, como é o caso exemplificado, é mais tênue, se os traços semânticos dos substantivos forem distintos, e mais nítida se os substantivos apresentarem traços semânticos idênticos.

Voltando ao nosso caso Osama X Obama, temos dois nomes próprios e dois papéis enunciativos, com dois sujeitos, um sujeito é agente, está no comando e outro sujeito é paciente, vítima do co mando, ainda que na descrição sintática tenhamos um sujeito, aquele que matou, e um objeto, aquele que morreu, se a oração for ativa; se for passiva, a vítima passa a sujeito e o assassino a objeto. Portanto, a troca de fonemas – s por b – equivale não somente a trocar o sujeito pelo objeto, significa matar o Presidente dos Estados Unidos, que é o que a imprensa brasileira falada tem feito. 

Mas este é um problema para além da sintaxe. Confundir Osama com Obama é ideologicamente complexo e inadmissível! Trata-se de um problema enunciativo, decorrente de uma troca fonética, com implicações fonológicas e sintáticas, por um lado, e decorrente da organização sintática da língua, por outro lado. Apesar de que tal confusão fonológica, mesmo em latim clássico, resultaria em conflito.    

O componente formal da sentença implica sobremaneira a constituição do enunciado. A Linguística da Enunciação não exclui a Linguística Formal, mas o caso Osama ~ Obama deixa bem clara a diferença entre sentença e enunciado e entre uma descrição lingüística formal e descontextualizada da sentença e descrição lingüística contextualizada do enunciado. 

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Morre o Prof. Mario Eduardo Toscano Martelotta‏

 

 

 

Morre aos 53 anos de idade o Prof. Mario Eduardo Toscano Martelotta‏

Doutor em Lingüística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor de Linguística na mesma UFRJ. Coordenador geral do Grupo de Estudos Discurso & Gramática. Membro do Projeto para a história do português brasileiro. 

quinta-feira, 17 de março de 2011

A mulher e o garoto

Aconteceu no terminal da Praça da Bíblia. Enquanto eu bebericava um delicioso suco de uva natural, artesanalmente fabricado no vinhedo de Itaberaí, cheguei até a janela para dar uma olhadinha no que acontecia no mundo. Lá estava uma mulher discutindo com um garoto. Ela, loira, alta, esguia, com aparência de mais ou menos 35 anos de idade (esse tipo de informação é fundamental, claro), trajava um vestido longo, estampado, com fundo em amarelo, trazia em uma das mãos uma sacola plástica da C&A. Ele, moreno claro (no Brasil, temos essas gradações), até meio pálido, alto, magro, muito magro, aparentando mais ou menos uns 17 anos de vida, vestia ainda o uniforme do colégio. Ela gesticulava, gesticulava, ele também, ambos no mesmo ritmo de gesticulação, parecendo reproduzir com as mãos o ritmo da fala. Brigavam? Parece que sim. Ela esbravejava e ele a enfrentava, à mesma altura. De repente, ela lhe entrega algo, dinheiro?? Acho que era dinheiro. Ele pega sem olhar, nem pra ela nem pro objeto. Discutem mais... brigam, ela esbraveja e ele não deixa por menos, esbraveja também, segurando o dinheiro, devia ser dinheiro mesmo. Eles começam a deixar o local, tomando direções opostas. Ele, mancando, em direção à saída do terminal, e ela à entrada, sem mancar. Ela se volta, diz algo, ele se volta e responde, no mesmo tom, ou melhor, com a mesma expressão, é tudo que posso perceber. Ele vai pra saída, mancando muito, sai. Ela se dirige à entrada. Entre eles, a grade amarela e suja de óleo escuro e viscoso do terminal, ela de um lado e ele de outro, continuam brigando, ela está muito brava, ele retruca sem olhá-la. Ele manca até se afastar da grade, ela entra no terminal. Ele atravessa a rua e chega à praça do rato de praça, ganha a rua e desaparece; ela se mistura à multidão no interior do terminal, segue em frente, cabeça baixa, sacola plástica da C&A na mão, segura firme e vai... some e aparece, some e aparece, até que atravessa para o outro lado e desaparece do meu campo de visão. Para onde foi ele? Para onde foi ela? Por que brigavam? Para que era o dinheiro (dinheiro??) que ela deu pra ele? Por que deu dinheiro a ele? Nunca vou saber, mas foi legal observar enquanto bebericava meu suco de uva, trazido lá de Itaberaí.

terça-feira, 8 de março de 2011

ÀS BERTOLEZAS DO SÉCULO XXI


A morte é a libertação, porque  
 a libertação está na coragem de ter atitude

Hoje, em mais um Dia Internacional da Mulher, fiquei pensando e me perguntando: Mudamos? Em quê? Como? Como somos e como estamos agora? E mais uma vez me vieram à mente as imagens da Bertoleza, lá no cortiço. Essas imagens me seguem desde que li pela primeira vez, nem me lembro mais quando foi, O cortiço, de Aluísio Azevedo.
Quatro informações sobre Bertoleza sempre foram cruciais para mim, talvez por uma questão de afinidade entre mim e ela. Afinidade que foi se ampliando ao longo de minha vida: 1. Bertoleza era negra enganada – escrava de mentira e alforriada de mentira; 2. Bertoleza foi usada, explorada e libertada pela morte de seu algoz; 3. Bertoleza foi usada, explorada e desalforriada, para a conveniência do amásio; 4. Bertoleza foi libertada por si mesma, por sua própria atitude.   

Bertoleza foi enganada, usada e usurpada de todo o direito à liberdade por seu falso dono. Ela cria que aquele era seu senhor e, então, trabalhou duramente, honestamente e confiantemente, guardando cada tostão que ganhava para comprar sua alforria. Sonhava com o dia em que seria livre. A morte levou seu senhor e com ele sua  esperada alforria. Bertoleza trabalhou em vão.

João Romão consolou-a, amparou-a, prometendo-lhe a tão sonhada liberdade. Bertoleza amasiou-se com João Romão e este tirou-lhe cada centavo economizado durante toda a vida. João Romão enriqueceu e se fez “gente” à custa das economias, do parco mobiliário e da mão de obra de Bertoleza, para depois lhe tirar cada suspiro de esperança, de fé na vida e no ser humano.

Já homem de sociedade, rico e bem posto, João Romão precisava de uma esposa apresentável, educada e filha de “boa família”. Para isso, ele precisava se livrar da amásia negra – escrava era coisa fácil de se adquirir, já uma dama da sociedade para tomar por esposa era muito difícil. João Romão não hesitou em denunciar Bertoleza ao seu verdadeiro dono para lhe colocar em seu “verdadeiro lugar”, para mandar-lhe de volta ao seu lugar original de pertencimento. Bertoleza viu esvair-se o empenho de toda uma vida e ser-lhe arrancada a esperança de alcançar seu bem maior.

Com a mesma destreza com que manipulava a faca para limpar peixes, Bertoleza rasgou-se de cima a baixo, pondo fim à sua busca por liberdade: se a morte de seu algoz não fora suficiente para lhe garantir a alforria, ninguém poderia lhe tirar a liberdade conferida pela morte. A morte é democrática e justa, se não perdoa nem isenta ninguém, também não discrimina nem exclui. 

Bertoleza foi enganada, usada e usurpada de todo o direito à vida por seu falso amásio.  
 
É impossível precisar qual dos “senhores” enganou e usou mais aquela mulher, do que se conclui que mudam, com o tempo, as maneiras de enganar e explorar, mas o fato continua o mesmo. Ainda hoje, em pleno século XXI, os homens continuam a praticar as mesmas canalhices, porém, de modo mais sofisticado, legitimado pelo mesmo discurso engajado,que esbraveja em defesa dos direitos da mulher.

As mulheres, por sua vez, continuam a acreditar nas forjadas falsas boas intenções masculinas, "afinal os tempos são outros, se eu fizer a minha parte..." Na verdade, nem acreditam, se deixam enganar de propósito, porque morrem de medo de ficar sem homem. Continuamos a nos amasiar a qualquer João Romão vira-lata e mal intencionado que nos consola e promete qualquer coisa que, sabemos muito bem, nunca vai cumprir!

A sociedade, com os olhos vendados pelos raios transparentes da hipocrisia, permite, abençoa e aplaude toda e qualquer atitude machista. As próprias mulheres, tão enganadas e usurpadas quanto a Bertoleza, contribuem para a perpetuação desse comportamento coletivo, afinal de contas, "se ela não soube segurar seu homem, o problema é dela... " E por aí vai. No fundo, no fundo são todas Bertolezas, em maior ou menor grau, e eles são todos João Romão, em um só e mesmo grau.

Mudamos? Em quê? Como? Como somos e como estamos agora? 

Não mudamos, a sociedade mudou e agora contamos com alguns artifícios e algumas estratégias que nos protegem de nós mesmas, de nossa profunda crença na humanidade do masculino. Nós mudamos nosso discurso e nosso comportamento para acompanhar o nosso tempo, que nada mais representa do que o desejo de estar na moda. 
Depois de tantas lutas e conquistas, na esperança de que as novas gerações possam viver em uma sociedade mais igualitária e justa e, assim, usufruir de tudo que as gerações anteriores conquistaram, assistimos a um retrocesso lamentável: uma parte das mulheres “dessa nova geração” usa os homens como burro de carga, provedor de suas futilidades, e como objeto sexual descartável, ao passo que outra parte garante aos homens meios de ser o burro de carga e o objeto sexual descartável daquelas que eles tanto desejam. Os homens continuam, em essência, pensando e agindo como nossos avós e nós, mulheres, continuamos a pensar e agir como nossas avós, tanto as damas da noite quanto as damas da sociedade.  

Não mudamos nosso sentimento, nem nossa maneira de sentir e de expressar o que sentimos. Somos Bertolezas em nossa ingenuidade feminina e fragilizada, mas não somos Bertolezas na coragem e na dignidade de ter atitude e mandar às favas esses machos com seus jogos e conchavos. Não somos Bertolezas na coragem de mandar às favas aquele macho que nos procura e, doce e dissimuladamente, nos usa para ferir e sacanear sua companheira de uma vida inteira.

Infelizmente, não temos a dignidade e a honradez de uma Bertoleza, nos faltam cor a gem e sangue.