sexta-feira, 22 de junho de 2018

Estatística da Copa/2018 e sua relação com políticas linguísticas e políticas de dominação

Fonte: https://www.fifa.com/worldcup/2018


Países
Localização
Idiomas Oficiais
Títulos
Alemanha 
Europa Central
Alemão
4: 1954, 1974, 1990, 2014
Arábia Saudita 
Ásia, Península Arábica
Árabe
Nenhum
Argentina 
América do Sul
Espanhol
2: 1978, 1986
Austrália 
Oceania
Inglês
Nenhum
Bélgica 
Europa Ocidental
Neerlandês, Francês e Alemão
Nenhum
Brasil 
América do Sul
Português
5: 1958, 1962, 1970, 1994, 2002
Colômbia
América do Sul
Espanhol
Nenhum
Coreia do Sul 
Ásia Oriental
Coreano
Nenhum
Costa Rica 
América Central
Castelhano
Nenhum
Croácia 
Europa/Bálcãs
Croata
Nenhum
Egito 
África e Ásia
Árabe
Nenhum
Espanha 
Europa
Espanhol
1: 2010
Dinamarca 
Europa Setentrional
Dinamarquês
Nenhum
França
Europa
Francês
1: 1998
Inglaterra 
Grã-Bretanha
Inglês
1: 1966
Irã
Ásia
Persa
Nenhum
Islândia
Europa Continental
Islandês
Nenhum
Japão
Ásia
Japonês
Nenhum
Marrocos 
África
Árabe
Nenhum
México
América do Norte
Espanhol
Nenhum
Nigéria
África Ocidental
Inglês
Nenhum
Panamá
América Central
Castelhano
Nenhum
Peru
América do Sul
Espanhol
Nenhum
Polônia
Europa
Polaco
Nenhum
Portugal
Europa
Português
Nenhum
Rússia  
Eurásia
Russo, Ucraniano, Azeri, Tártaro, Tchuvache, Tuviniano.  
Nenhum
Senegal
África Ocidental
Francês
Nenhum
Sérvia
Europa/Balcãs
Sérvio
Nenhum
Suécia 
Europa do Norte
Sueco, Finlandês, Iídiche, Romani.
Nenhum
Suíça
Europa
Francês, Alemão, Italiano, Romanche.
Nenhum
Tunísia
África do Norte
Árabe
Nenhum
Uruguai
América do Sul
Espanhol
2: 1930, 1950
   Fonte: https://www.fifa.com/worldcup/2018


São 32 países participantes da Copa 2018: 14 deles são do continente europeu, 4 da Ásia, 5 da América do Sul, 2 da América Central e 1 da América do Norte  (são 8 da América Latina), 1 da Oceania, 5 da África, 1 da Eurásia, a anfitriã. É importante destacar que apenas 1 dos 32 técnicos, o do Senegal, é negro; a seleção do Senegal é a única que tem um técnico africano[1]; e nenhum dos técnicos é indígena, apesar da participação dos 8 países da América Latina. Dos 14 países europeus, 4 foram campeões mundiais: Alemanha (por quatro vezes), Inglaterra (uma vez), Espanha (uma vez) e França (uma vez); e, se considerarmos que Grã-Bretanha é uma ilha ex-continental, está fora da Europa, são só três os países europeus campões mundiais. Dos 5 países da América do Sul, 3 (Argentina, Brasil e Uruguai) já foram campeões e o Brasil, entre todos do mundo, é o que tem mais títulos, e é latinoamericano, está na América do Sul.
Dos 32 países, a Bélgica tem 3 idiomas oficiais, a Suécia e a Suíça têm 4, e a Rússia tem 6 idiomas oficiais; todos os demais países têm apenas um. O inglês é idioma oficial em três dos países participantes: Inglaterra, onde é o único idioma oficial e majoritário, na Nigéria, país africano, e na Austrália. A língua alemã é oficial em três dos países participantes: na Alemanha, onde é a única oficial e majoritária, na Bélgica e na Suíça. A língua francesa é língua oficial em quatro países: na França, onde é a única oficial e majoritária, no Senegal, única oficial, mas não a majoritária em uso, na Suíça e na Bélgica. A língua árabe é oficial em quatro nações: Arábia Saudita, Egito, Marrocos e Tunísia. O espanhol/castelhano é oficial em oito dos países participantes da Copa 2018: Argentina, Colômbia, Costa Rica, Espanha, México, Panamá, Peru e Uruguai. Nenhuma língua ameríndia e nenhuma língua africana está presente na Copa como língua oficial, apesar da quantidade de países da América Latina. São 14 países europeus e 8 americanos; o espanhol é idioma oficial em 1 dos 14 países europeus e em 7 dos países americanos. A supremacia do espanhol nos países americanos e a quantidade desses países na Copa colocaram o espanhol no ápice do ranking linguístico da World Cup/2018.
Os países coloniais, os colonizadores e os colonizados, apresentam políticas monolinguísticas em todos os continentes. O espanhol é a língua da Copa/2018, considerada a quantidade de países hispano-hablantes. Os países da América do Sul e da América do Norte declaram o “espanhol como seu idioma oficial”, ao passo que os países da América Central declaram o “castelhano”.
Vamos prestar atenção a esses indícios: a política linguística de um Estado diz muito sobre sua postura política, humana e ética. Da mesma forma, a política linguística praticada, ainda que não declarada, ainda que muito disfarçada, de todos os lugares, de todos os grupos, diz muito sobre sua postura política, sua conduta humana e ética. A Copa/2018 nos mostra que, do ponto de vista da política linguística, nem todas as nações do mundo são tão neoliberal assim como pensamos.




[1] Aliou Cissé, técnico do Senegal, recebe o menor salário entre os técnicos das seleções presentes na Copa 2018. Muitos países pobres, que têm técnicos estrangeiros, europeus ou americanos, pagam altos salários a eles. Por que o do Senegal é tão mal remunerado?

sábado, 16 de junho de 2018

Carretão: o outro lugar no mesmo espaço, os outros que evocam os mesmos outros

                                                                      

To enter implics moving, leaving in order to be able to penetrate. One enters a way of thought as one enters an organization, fraternal order, or political party.
(François Jullien.  [Trad. Jody Gladding]. The book of beginnings. 2015, p. 2.)


A Terra Indígena Carretão do povo Tapuia estava em festa, enfeitada, aguardando os parentes, seus convidados. Era um dia festivo, porque era um acontecimento histórico, para todos/as, mas muito mais para o povo Tapuia. Criou-se um movimento vivido e possível de ser sentido por todos/as: de Aruanã, saíram os/as Iny; de Aragarças, os/as A’Uwẽ; de Minaçu, os/as Avá e os/as Apyãwa; de Goiânia, servidores/as da Seduce-GO e professoras do Núcleo Takynahakỹ, do Museu Antropológico e da Faculdade de Letras da UFG; da Cidade de Goiás, vieram a professora, um e uma estudante da UEG, e as servidoras da CRECE; de Rubiataba e de Piranhas chegaram as servidoras das CRECE, tudo num movimento dialogado e compartilhado, em trocas pelo WathsApp, todos/as rumo aos Tapuias. Tapuia era o canal, Tapuia era a direção, era o assunto, era o lugar de chegada e de encontro. O sentido de retorno envolvia-nos a muitos/as. Pela manhã do dia 13 de junho, dia de Santo Antônio no calendário cristão católico, foram abertos os trabalhos com uma saudação, cantada e dançada, ao sol/dia e à natureza pelo povo A’Uwẽ e pelo povo Tapuia.



Depois do ritual (canto/dança) de invocação dos espíritos para abençoar os trabalhos da semana, o Professor Cristóvão, coordenador dos/as Intérpretes e líder dos A’Uwẽ, fez uma linda fala sobre a saudação do dia/sol/natureza. Sua fala pode ser encontrada em:  <<https://www.youtube.com/watch?v=UFOsAdB53ho&gt>. Em seguida, os/as Tapuia dançaram sua Roda Tapuia para recepcionar os/as convidados/as:

 

Os A’Uwẽ foram convidados pelos Tapuia a dançar com eles e aceitaram de pronto. O Líder Cristóvão indicou alguns A’Uwẽ para entrar na roda da dança Tapuia e lá foram eles, entraram e dançaram. Foi um momento lindo e de muita emoção! Só quem conhece o povo e a história Tapuia pode entender o que significa A’Uwẽ e Tapuia naquele abraço de corpo e alma, além do do tempo, no ritmo da dança, dança que é com corpo e com a alma, num encontro esperado e buscado, pisando e repisando no chão das terras malhadas do Carretão, mais de dois séculos e meio depois do refluxo do aldeamento Pedro III. 

O povo indígena Tapuia descende do aldeamento Pedro III, construído no século XVIII para “abrigar” o Xavante, “povo muito bravo, que estava impedindo o progresso da capitania”. Além do Xavante foram aldeados no Carretão também os povos Iny/Javaé e Akwẽ. Nesse momento, estiveram no Carretão, para a Formação, com o Tapuia, os A’Uwẽ, os Iny, os Avá e os Apyawa, que são os povos indígenas existentes em Goiás. É a primeira vez que todos os povos se reúnem no Carretão e é a primeira vez que os A’Uwẽ voltam, historicamente, ao Carretão e dançam com os Tapuia a dança dos Tapuia, um povo que vem, ao longo desses dois séculos e meio, juntando seus pedaços, que se reinventa e se inventa, para sua própria sobrevivência. Tudo aconteceu de forma energizada pela invocação dos espíritos pelo líder Cristóvão, líder de todos/as nós. E assim, por fim, deu-se início à Formação de Professores/as da Educação Escolar Indígena de Goiás, com a temática “Identidade, Interculturalidade e Currículo da Educação Escolar Indígena”, na Terra Indígena Carretão do Povo Tapuia, em Rubiataba-GO.

No último dia do encontro, outro acontecimento muito importante na Formação foi a Corrida de Tora de Buriti, tradição A’Uwẽ, que, dessa vez, contou com a participação de uma mulher - e que participação! (falarei mais disso noutra ocasião).  


Após a Corrida de Tora, houve a Dança de Tora de Buriti e, nesse momento, o A’Uwẽ convidou o Tapuia para a dança. Welington, o Vice-Cacique Tapuia, e Cleiton, intelectual, professor e um dos (re)inventores do ser Tapuia, dançaram com/entre os A’Uwẽ, e, naquele momento, eles eram Tapuia e eram A’Uwẽ. Houve total ruptura das fronteiras e total turbulência do tempo, do espaço e das identidades. Mais emoção, mais lindezas. Generosidade A’Uwẽ, generosidade Tapuia. Abertura de todos os lados: transculturalidade!

A educação escolar indígena, o potencial de luta e a capacidade de resiliência do povo Tapuia, um povo que se (re)inventa a cada dia, possibilitaram sua reexistência como povo e seu reencontro com sua ancestralidade por meio da roda da dança Tapuia com o povo A’Uwẽ na terra do Carretão, que é/sempre foi a terra do Xavante: o aldeamento Pedro III, também agora reinventado. Impossível descrever o que se passou ali. O que é tempo? O que é espaço? Não há por certo linearidade nem sequencialidade, e reinventar o passado é uma urgência sempre! Ainda que as lutas continuem, porque têm de continuar, ali, bem em frente à capela cristã dos padres, onde antes houve lágrimas e sangue derramados, agora, há o encontro e a esperança na união da luta mútua por dias melhores. A educação, a escola e a língua que os desagregaram e os segregaram podem ser o elo e o espaço da união em busca da mesma causa, com a mesma força.