terça-feira, 10 de maio de 2011


Descrição linguística contextualizada

Entre o par mínimo e o sentido máximo


Presumivelmente, o ideólogo da resistência anti-USA, Osama Bin Laden, foi morto pelo herói anti-terrorismo, Barak Obama. Em 02 de maio, é estampado no jornal The New York Time:
President Obama announced the killing of Osama bin Laden at the White House on Sunday.
May 2, 2011 - By PETER BAKER, HELENE COOPER and MARK MAZZETTI - World / Asia Pacific.

No domingo, 1 de maio de 2011, o Presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama, reportou o assassinato de Osama bin Laden, fato noticiado pela imprensa do mundo todo.
Osama bin Laden, the mastermind of the most devastating attack on American soil in modern times and the most hunted man in the world, was killed in a firefight with United States forces in Pakistan, President Obama announced on Sunday.

A imprensa brasileira, confusa com os fatos e com os nomes, ora falava da morte de Osama ora da morte de Obama. Uma sutil diferença fonética, uma enorme questão fonêmica, inclusive com sérias implicações sintáticas e autorais.



           O S A M A
           O B A M A


  
Apenas um fonema diz que Osama não é Obama e que Obama não é Osama. Apenas um som separa Osama, o terrorista, de Obama, o anti-terrorista. Temos entre o Presidente herói e o líder terrorista um 'par mínimo' de correspondência assimétrica. Neste caso, a troca de fonema não opõe apenas um item a outro, como em português:







 
           P A T O
           B A T O


uma inocente oposição entre dois itens da língua. Não, no par mínimo Osama / Obama, a oposição se impõe, gritando e festejando. A predicação do nome / o predicado da sentença, entretanto, marca diferença entre as duas figuras: um é líder, o outro é Presidente; um é assassino e terrorista, o outro é justiceiro – justice has been done”.

Trocar o 'b' por 's', neste caso, constitui crime, pecado e, quem sabe, até mesmo um ato terrorista. Mas os profissionais da imprensa falada no Brasil continuam, a todo momento, cometendo o crime hediondo de noticiar ora a morte do Osama ora a morte do Obama. Teremos, por isso, uma implicação diplomática? Talvez não. Mas temos uma séria implicação sintática: troca-se a vítima pelo assassino, ou melhor, justiceiro.
Na língua portuguesa – e o português brasileiro conserva essa característica – a ordem dos constituintes no sintagma e na sentença é significativa. Ou seja, na sintaxe portuguesa, a ordem dos fatores altera o produto.

Com a perda da morfologia de caso, que indicava e marcava as funções sintáticas no latim, a sintaxe da língua portuguesa tornou-se mais rígida. Em se tratando da relação entre as classes nominais, substantivo e adjetivo, que compartilham cargas funcionais equivalentes, podendo as duas classes funcionar como modificador e como modificado, a ordem dos constituintes no sintagma é fundamental. Veja os exemplos: 
(i)                 Magnata        evangélico
         1 substantivo        2   adjetivo                   
                                                      
(ii)                Evangélico    magnata.    
                       1 substantivo        2   adjetivo

A posição ocupada pela categoria morfológica na sentença, em alguns casos, também é fundamental para a definição de sua função sintática. Por exemplo:
(iii)             Pedro             agrediu           João
        1 substantivo         2  verbo         3  substantivo
              sujeito                                                    objeto

(iv)               João              agrediu           Pedro
        1 substantivo         2   verbo         3 substantivo
sujeito                                           objeto

Temos em (i) e (ii), duas típicas sentenças, com a ordem canônica sujeito verbo objeto (SVO), que, claro, não é a única em português. Em (i), Pedro é o agressor-sujeito e João é a vítima-objeto; em (ii), os papeis se invertem e João passa a agressor-sujeito e Pedro a vítima-objeto. A troca da posição dos substantivos Pedro e João na sentença modifica a função sintática de cada um deles, levando à troca de papéis entre Pedro e João. A alteração da posição dos constituintes na sentença pode alterar sua função sintática e o papel enunciativo do sujeito e do objeto. A força da ordem dos constituintes na sentença, envolvendo dois substantivos, como é o caso exemplificado, é mais tênue, se os traços semânticos dos substantivos forem distintos, e mais nítida se os substantivos apresentarem traços semânticos idênticos.

Voltando ao nosso caso Osama X Obama, temos dois nomes próprios e dois papéis enunciativos, com dois sujeitos, um sujeito é agente, está no comando e outro sujeito é paciente, vítima do co mando, ainda que na descrição sintática tenhamos um sujeito, aquele que matou, e um objeto, aquele que morreu, se a oração for ativa; se for passiva, a vítima passa a sujeito e o assassino a objeto. Portanto, a troca de fonemas – s por b – equivale não somente a trocar o sujeito pelo objeto, significa matar o Presidente dos Estados Unidos, que é o que a imprensa brasileira falada tem feito. 

Mas este é um problema para além da sintaxe. Confundir Osama com Obama é ideologicamente complexo e inadmissível! Trata-se de um problema enunciativo, decorrente de uma troca fonética, com implicações fonológicas e sintáticas, por um lado, e decorrente da organização sintática da língua, por outro lado. Apesar de que tal confusão fonológica, mesmo em latim clássico, resultaria em conflito.    

O componente formal da sentença implica sobremaneira a constituição do enunciado. A Linguística da Enunciação não exclui a Linguística Formal, mas o caso Osama ~ Obama deixa bem clara a diferença entre sentença e enunciado e entre uma descrição lingüística formal e descontextualizada da sentença e descrição lingüística contextualizada do enunciado.