sexta-feira, 8 de abril de 2016

A nomeação como classificação social e manutenção da colonialidade do poder

A Recomendação nº 75, de 4 de abril de 2016, do MPF/GO (disponível em: http://www.mpf.mp.br/go/sala-de-imprensa/docs/not1992-recomendacao-75-ufg), fere acintosamente a autonomia da Universidade Federal de Goiás, em particular, e a democracia brasileira, em geral, por se apresentar declaradamente parcial. Depois de elencar suas atribuições, suas funções e de fundamentar sua legitimidade na Carta Magna brasileira de 1988, o MPF/GO historiciza os acontecimentos políticos que, segundo está afirmado no documento, culminaram com a "deflagração do processo de impeachment ora em curso na Câmara dos Deputados, pelo qual se pretende a cassação do atual mandato presidencial". Esqueceu o autor do documento que na instituição receptora da Recomendação, as pessoas têm o péssimo hábito de ler e, pior ainda, de pensar.

Ora, a expedição dessa "recomendação" demonstra a preocupação dos ditadores da República Federativa do Brasil em coibir a insatisfação nacional com os absurdos que estão sendo deflagrados no Congresso Nacional. Afirmar a preocupação com as manifestações contrárias e a favor do impeachment é apenas um jogo de eufemismo, pois é conhecida a história de luta das universidades federais brasileiras contra a ditadura e contra todo tipo de saque social, assim como são conhecidos os movimentos sociais liderados pelas universidades em prol dos direitos sociais, da maior igualdade social, enfim, por justiça social. Logo, a preocupação do MPF/GO é claramente coibir as manifestações em defesa da democracia e contra a ilegalidade do impeachment. Toda a verborragia, eivada de recursos linguísticos prolixos, característicos do discurso jurídico, não foi suficiente para velar a verdadeira intenção da medida do MPF/GO. A preocupação extremada com a norma linguística portuguesa conduz os/as conservadores/as cegamente aos encantos das armadilhas estruturais e pragmáticas do português brasileiro. 

Ao afirmar no documento (destaques meus) que: "Nesse contexto de embate político-partidário, tem havido grandes manifestações de brasileiros que pugnam pela cassação do mandato da Chefe do Executivo Federal; circunstância que vem ocasionando, em contraposição, protestos de grupos adversos ao impeachment, que clamam por sua permanência no poder", os autores da recomendação indexicalizam, inexoravelmente, em dois grupos opostos: manifestantes X protestantes (estamos na Reforma e na Contra-Reforma, são tão conservadores que sequer conseguem superar o imperialismo Romano) e, assim, caem em contradição com seus próprios argumentos: 1) quem é a favor do impeachment, os manifestantes, são nomeados e categorizados de "brasileiros", estes são os cidadãos legítimos, os que têm renda e que geram divisas (apesar das evasões de divisas); ao passo que quem é contra o impeachment, os protestantes, são situados nos "grupos adversos", sequer são nomeados de brasileiros, sequer são cidadãos, são, provavelmente, os assistidos que tanto incomodam os "brasileiros" bem nascidos. Os brasileiros são os que querem o impeachment da Presidenta e os "grupos adversos ao impeachment" são os que clamam pela permanência da Presidenta no poder; dessa forma, 2) embora recorram à "Carta Magna" e aos princípios republicanos para fundamentar e legitimar sua ação, seus argumentos e sua prática estão de acordo com a constituição e os princípios do Império, para os quais o critério fundamental de brasilidade eram a linhagem e o patrimônio da família.

Os dois enunciados são formados por um sujeito modificado por uma oração adjetiva restritiva (a análise da estrutura de períodos e orações, se essa for a escolha, pode ser muito mais detalhada, mas para os propósitos desta discussão, basta a composição geral dos enunciados como atos de fala e expressão de poder):  
a) ([brasileiros] que [pugnam pela cassação do mandato da Chefe do Executivo Federal]) 
b) ([grupos adversos ao impeachment] que [clamam por sua permanência no poder])

As escolhas lexicais de 'pugnam' em correlação com 'cassação' de mandato, em (a), contra 'clamam' correlacionado a 'impeachment' e 'permanência', em (b), compõem a trama final dessa oposição.

Assim, em uma problematização geopolítica da indexicalização social dos grupos, os manifestantes e os protestantes, pelo ato de poder da nomeação, brasileiros e grupos adversos ao impeachment, complementada pela modificação nominal, foi dado a cada grupo um lugar, a um foram reconhecidos os direitos ao mesmo tempo em que ao outro foram negados os mesmos direitos; a um é garantido poder de fala pelo silenciamento velado do outro. Basta calar aquele que contesta e que protesta contra as verdades naturalizadas para que elas permaneçam. O poder da lei que silencia um, pelo silêncio faz falar o outro, o que sempre teve voz e, por isso, não precisa mais ser ouvido, porque sua mensagem já está naturalizada como certa e verdadeira.      

Enfim, toda a argumentação pautada na legalidade e na moralidade administrativa não passa de justificativa ideológica tecida com os fios da legitimidade visando ao convencimento e à aceitabilidade para, assim, silenciar a grande massa formada pelos "grupos adversos ao impeachment", aqueles e aquelas que clamam pela permanência da Presidenta no poder. Estes/as compõem a grande massa crítica dos/as renegados/as pensantes do Brasil, os/as que a globo não consegue manipular, portanto, precisam ser intimidados/as e silenciados/as pela lei. 

Devo advertir que, embora eu seja professora na UFG não sou posse da UFG nem capacho do MPF-GO, Este blog é pessoal, é um espaço para minha plena liberdade de expressão, direito que me garante a dita Carta Magna. Por isso, por opção política e sociolinguística, não estou preocupada em escrever "à altura de uma professora da UFG", deus me livre disso! Este não é um espaço de publicação acadêmica, portanto, não espere aqui discussões com fundamentos e profundidades teóricas, para isso e para acumular pontos no sicad e no lattes e para a capes, publico artigos em livros e periódicos. Meu interesse aqui é outro. Enfim, este não é um site oficial mantido pela UFG ou pelo MEC. Faço aqui o que eu quero, se isso te incomoda ou ofende, a porta da rua é a serventia da casa e os incomodados que se arretirem.