sábado, 7 de maio de 2016

RODA DE CONVERSA Trajetória das Carolinas de Jesus da Faculdade de Letras da UFG

A II Jornada de Estudos Interculturais Transdisciplinares da Linguagem, realizada pelo Obiah, tem início no dia 17 de maio com a Roda de Conversa Trajetória das Carolinas de Jesus da Faculdade de Letras da UFG, que conta a trajetória das professoras negras e mestiças da Faculdade de Letras/UFG, e segue até dezembro de 2016 com várias rodas de conversa sobre temas diversos, envolvendo debates sobre o pensamento negro brasileiro, o pensamento feminista brasileiro, as trajetórias e as histórias das pessoas que tiveram de romper as fronteiras das desigualdades e enfrentar opressões interseccionadas em suas mais diferentes manifestações.

17 de maio de 2016 
Miniauditório Egídio Turchi - Bloco Cora Coralina da Faculdade de Letras, Campus Samambaia/UFG

14 horas: Cerimônia de abertura da II Jornada de Estudos Interculturais Transdisciplinares da Linguagem:

Cerimonialista: Nathália Pereira de Oliveira Sousa.

Declamação das poesias de Carolina de Jesus: Simião Mendes Júnior

Fala de abertura: Tânia Ferreira Rezende

Quem foi Carolina Maria de Jesus? Por Flávia Cristina Passos de Almeida
Carolina Maria de Jesus nasceu em Minas Gerais, numa comunidade rural onde seus pais eram meeiros. Aos sete anos, sua mãe forçou-a a frequentar a escola depois que a esposa de um rico fazendeiro decidiu pagar os estudos das crianças pobres do bairro. Carolina parou de frequentar a escola no segundo ano, mas aprendeu suficientemente a ler e a escrever. Por ter sido acusada de roubo na paróquia da cidade onde morava, resolveu ir embora, a pé, para São Paulo. Mudou-se para a capital paulista em 1947, momento em que surgiam as primeiras favelas na cidade. Moradora da favela do Canindé, zona norte de São Paulo, ela trabalhava como catadora. Quando encontrava revistas e cadernos antigos, guardava-os para escrever em suas folhas. Começou a escrever sobre seu dia-a-dia, sobre como era morar na favela. Em seu diário, ela detalhava o cotidiano dos moradores da favela e, sem rodeios, descrevia os fatos políticos e sociais que via. Ela escrevia sobre como a pobreza e o desespero podem levar pessoas boas a cometerem erros graves para, assim, conseguirem comida para si e suas famílias.  Jamais cedeu às condições impostas a sua classe social. Em uma vizinhança com alto nível de analfabetismo, saber escrever era uma conquista incomum, Carolina de Jesus tinha consciência disso e sempre usou a escrita como uma arma de luta social e política, enfim, como uma defesa. Carolina escreveu poemas, romances e histórias. Um dos temas abordados em seu diário foram as pessoas do seu entorno; a autora descrevia a si mesma como alguém muito diferente dos outros favelados e afirmava “que detestava os demais negros da sua classe social”. Ao ver muitas pessoas do seu círculo social sucumbirem às drogas, álcool, prostituição, violência e roubo, Carolina lutou para se manter fiel à escrita e aos filhos, a quem sustentava vendendo lixo reciclável e com as latas de comida e roupa que encontrava no lixo.  Isto aborrecia seus vizinhos, que não eram alfabetizados, e, por isso, se sentiam desconfortáveis por vê-la sempre escrevendo, ainda mais sobre eles. Carlina foi descoberta pelo jornalista Audálio Dantas, em abril de 1958, quando uma gangue de rua chegou e reivindicou o uso do parque recém-inaugurado na favela, perseguindo as crianças. Dantas viu Carolina de pé na beira do local gritando "Saiam ou eu vou colocar vocês no meu livro!", essa sempre foi sua arma mais poderosa! Os intrusos partiram. Dantas perguntou o que ela queria dizer com aquilo. Ela se mostrou tímida no início, mas levou-o até o seu barraco e mostrou-lhe tudo. Ele pediu uma amostra pequena e correu para o jornal. Apesar do pouco estudo, tendo cursado apenas as séries iniciais do primário, ela reunia em casa mais de 20 cadernos com testemunhos sobre o cotidiano da favela, um dos quais deu origem ao livro “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”. Sua obra traz relevantes informações para a compreensão da condição de vida nas favelas brasileiras da época, inclusive uma definição sociológica de favela, ao afirmar que “a favela é o despejo da cidade”. Após o lançamento, em 1960, seguiram-se três edições, com tradução para 13 idiomas e vendas em mais de 40 países. Seu auge e decadência como figura pública foram fugazes. Isso possivelmente ocorreu devido à sua personalidade forte, que a afastava de muita gente, além da drástica mudança no panorama político brasileiro, a partir do golpe de estado em 1964, que marginalizaria qualquer manifestação popular. Pobre e esquecida, Carolina Maria de Jesus morreu em 1977, de insuficiência respiratória, aos 62 anos. Ela é considerada uma das primeiras e mais importantes escritoras negras do Brasil.
14h30: Roda de Conversa de Abertura da II Jornada

Trajetória das Carolinas de Jesus da Faculdade de Letras da UFG  



Cristiane Batista do Nascimento, do curso de Letras: Libras e Letras: tradução e interpretação em Libras/Português.

Luciana de Oliveira Dias, do curso de Educação Intercultural do Núcleo Takinahakỹ de Formação Superior de Professores Indígenas, com atuação também no Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da UFG.

Sara Guilliana Gonzales Belaonia, do curso de Letras: Espanhol.

Tânia Ferreira Rezende - articuladora - do curso de Letras: Português, com atuação também no Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da UFG, área de Estudos Linguísticos, Linha de Pesquisa Linguagem, Sociedade e Cultura. 




E foi hoje, e cá estivemos nós, as Carolinas de Jesus da Faculdade de Letras da UFG... momentos de muitas emoções... tarde histórica! Inesquecível!

Foto: Vinícius Batista

Nessa nossa caminhada terrena nos encontramos, de diferentes maneiras, por diferentes estradas e distintos motivos, em diversos momentos. O importante é que nos encontramos e nesse encontro nos doamos e nos trocamos. Nos encontramos com nossos risos, nossas dores e nossos choros... históricos, imemoriais. 


Foto: Vinícius Batista


As filhas de Jesus, de Ogun, de Exu, de Iansã, os filhos e as filhas de tantos e tantas orixás, ali silenciosos e silenciosas... silenciados e silenciadas... se deram, se entregaram, se abriram, se acolheram e se deixaram acolher pelo abraço da entrega, do dizer, do ouvir, do calar, do pensar.    



Foto: Vinícius Batista

Foto: Vinícius Batista
Nathália fez a chamada, deu o passo inicial... a voz agarrada na garganta da mulher que receia em gritar! É a fala abafada ainda a fala que não pode falar... mas já o poder mágico... Obiah!
Foto: Vinícius Batista




E Carolina Maria de Jesus foi clamada por Flávia Passos, que a representou, que a interpretou. E Carolina, poetisa, foi declamada por Simião Jr. A mulher grande agigantou na voz do artista que encantou. É Obiah!, poder mágico da linguagem, o poder de encantar. 





Cristiane Batista nos emocionou a todas/os com sua trajetória de otimismo, seu olhar brilhante diante do mundo e sua convergência diferenciada em seu ritmo demorado, melódico e poético, poesia que nos trouxe lágrimas, demoradas lágrimas, que teimavam em se resguardar. Luciana Oliveira, que nunca soube ser só, que em sua resistência à violência masculina, doméstica, desde a concepção se unira a uma irmã, como estratégia de resistência e de sobrevivência, nos chamou à luta, dentre outras, contra a violência silenciosa e bruta da anti-intelectualidade feminina. Sara Gonzales, a estrangeira, mãe solteira de uma filha e um filho, encontrou forças na Umbanda e resistência no domínio da língua portuguesa e na formação universitária nesta terra, que é sua terra de coração, nos chama atenção para a importância de se aprender língua estrangeira e transitar pelos mundos e culturas dos outros. Tânia Rezende, a do cabelo enrolado de raiz lisa, fala de seu desmerecimento pelo cabelo e do inferiorização da mulher negra pelo cabelo, um bem simbólico. Expusemos nossas dores, nossas chagas. Choramos muito. Foi um choro coletivo como nunca antes se viu nesse miniauditório Egídio Turchi, não pelos motivos agora expostos. 

Ser negra
Cristiane Batista do Nascimento

O ser negra me deu características virtuosas,
Deu-me paciência, já que eram necessárias horas e mais horas sentada enquanto trançavam meus cabelos,
Deu-me resistência a dor, pois ao pentearem meu cabelo crespo, sem uma gota de água, lágrimas de dor escorriam da face em decorrência das puxadas do pente,
Deu-me força, porque cada palavra negativa e racista só me fazia lutar para mostrar o meu potencial,
Deu-me sensibilidade para trabalhar com pessoas como eu, vítimas de rejeição,
Deu-me motivação para querer ser melhor, tendo em vista que a preferência tinha cor branca e cabelos “bons”
Ser negra me fez ser melhor, pois solidarizava-me com o sofrimento e humilhações passadas por outros, já que sofria com o mesmo mal,
Não sou vítima do sistema,
Não tenho necessariamente que ser babá, doméstica, atleta e musicista 
Quero que fique claro!
Não estou desmerecendo nenhuma profissão!
Posso ser o que eu quiser ser,
Sou negra com muito orgulho!
Não me chame de morena, por favor!
Gosto de ter mais melanina!
Não me sinto melhor e nem pior que ninguém
Quando vamos parar de nos segregar?
Por que temos que nos dividir em ricos e pobres? Negros e brancos?
Ser negra para mim é um privilégio,
Não porque eu seja melhor,
E sim porque, enquanto fui oprimida, pude me compadecer de outros humilhados pelo sistema.
Nas expressões da minha língua, há os pessimistas que preferem associar o negro ao ruim
Eu prefiro dizer:
 – Sou escura como a noite e meus olhos brilham como as estrelas que só são visíveis na escuridão.




Reinvenção 2


Tânia Rezendeem Confissões de Bertoleza 

A desculpa da invenção
foi a solidão no paraíso
daí pra escravização
nem navegar foi preciso
ligada pelo osso
presa pelo pescoço
por fim a eterna peia
peada fechada no medo

Cresce muda
segue assustada
calada na calada a força tange
tece trança amarra desata 
sobe descobre desvenda
a venda na venda à luz

Encarnada lânguida e pérfida
Pi... (π)... navegação dos amores
constância curva circunferência diâmetro
encantamento feitiço magia
sonho alegria
debut debuta debocha
sorri ama cuida cama ama
alimento... alivia alimenta
enche incha prenhe emprenhada
odores sudorese lágrimas de sal
do jorro do sêmen animal
jorra o sangue vital
seio alimentação desejo
alimenta... pari passu!
Do broto à floração 

Entranhas rasgadas 
veias abertas
estupor
entranhas dilatadas
Pari e ri e chora e acalenta
no seio farto alimenta
refrigera o ar da terra
dá vida à luz
dá à luz a vida
cordão vital 
mais um sobrevivente emocional
Fêmea na arrebentação
Cumprido o ciclo
finda a missão
ninho vazio
abandono 
ingratidão
endossa a conduta
salva o conduto
jorra o sangue mortal
pedaços de alma 
fragmento coronal
no outrora leito conjugal
Mulher na humilhação
Dor profunda
mágoa silenciosa
febre alucinação
sofre chora grita
revolta
tremula irrita
enlouquece
esquece
segue
Deusa na superação

Enquanto a vida rasgar a terra pra brotar
Enquanto a terra parir a vida pra fertilizar
A mulher´é mulher...mulher exclusivamente