17 de maio de 2016
Miniauditório Egídio Turchi - Bloco Cora Coralina da Faculdade de Letras, Campus Samambaia/UFG
14 horas: Cerimônia de abertura da II Jornada de Estudos Interculturais Transdisciplinares da Linguagem:
Cerimonialista: Nathália Pereira de Oliveira Sousa.
Declamação das poesias de Carolina de Jesus: Simião Mendes Júnior
Fala de abertura: Tânia Ferreira Rezende
Quem foi Carolina Maria de Jesus? Por Flávia Cristina Passos de Almeida
Carolina Maria de Jesus nasceu
em Minas Gerais, numa comunidade rural onde seus pais eram meeiros. Aos sete
anos, sua mãe forçou-a a frequentar a escola depois que a esposa de um rico
fazendeiro decidiu pagar os estudos das crianças pobres do bairro. Carolina
parou de frequentar a escola no segundo ano, mas aprendeu suficientemente a ler
e a escrever. Por ter sido acusada de roubo na paróquia da cidade onde morava,
resolveu ir embora, a pé, para São Paulo. Mudou-se para a capital paulista em
1947, momento em que surgiam as primeiras favelas na cidade. Moradora da favela
do Canindé, zona norte de São Paulo, ela trabalhava como catadora. Quando
encontrava revistas e cadernos antigos, guardava-os para escrever em suas
folhas. Começou a escrever sobre seu dia-a-dia, sobre como era morar na favela.
Em seu diário, ela detalhava o cotidiano dos moradores da favela e, sem
rodeios, descrevia os fatos políticos e sociais que via. Ela escrevia sobre
como a pobreza e o desespero podem levar pessoas boas a cometerem erros graves para,
assim, conseguirem comida para si e suas famílias. Jamais cedeu às condições impostas a sua
classe social. Em uma vizinhança com alto nível de analfabetismo, saber
escrever era uma conquista incomum, Carolina de Jesus tinha consciência disso e
sempre usou a escrita como uma arma de luta social e política, enfim, como uma
defesa. Carolina escreveu
poemas, romances e histórias. Um dos temas abordados em seu diário foram as
pessoas do seu entorno; a autora descrevia a si mesma como alguém muito
diferente dos outros favelados e afirmava “que detestava os demais negros da
sua classe social”. Ao ver muitas pessoas do seu círculo social sucumbirem às
drogas, álcool, prostituição, violência e roubo, Carolina lutou para se manter
fiel à escrita e aos filhos, a quem sustentava vendendo lixo reciclável e com
as latas de comida e roupa que encontrava no lixo. Isto aborrecia seus vizinhos, que não eram
alfabetizados, e, por isso, se sentiam desconfortáveis por vê-la sempre
escrevendo, ainda mais sobre eles. Carlina foi descoberta
pelo jornalista Audálio Dantas,
em abril de 1958, quando uma gangue de
rua chegou e reivindicou o uso do parque recém-inaugurado na favela,
perseguindo as crianças. Dantas viu Carolina de pé na beira do local gritando
"Saiam ou eu vou colocar vocês no meu livro!", essa sempre foi sua
arma mais poderosa! Os intrusos partiram. Dantas perguntou o que ela queria
dizer com aquilo. Ela se mostrou tímida no início, mas levou-o até o seu
barraco e mostrou-lhe tudo. Ele pediu uma amostra pequena e correu para o
jornal. Apesar do pouco estudo, tendo cursado apenas as séries iniciais do
primário, ela reunia em casa mais de 20 cadernos com testemunhos sobre o
cotidiano da favela, um dos quais deu origem ao livro “Quarto de Despejo:
Diário de uma Favelada”. Sua obra traz relevantes informações para a compreensão da
condição de vida nas favelas brasileiras da época, inclusive uma definição
sociológica de favela, ao afirmar que “a favela é o despejo da cidade”. Após o lançamento, em
1960, seguiram-se três edições, com tradução para 13 idiomas e vendas em mais
de 40 países. Seu auge e decadência
como figura pública foram fugazes. Isso possivelmente ocorreu devido à sua
personalidade forte, que a afastava de muita gente, além da drástica mudança no
panorama político brasileiro, a partir do golpe de estado em 1964, que
marginalizaria qualquer manifestação popular. Pobre e esquecida,
Carolina Maria de Jesus morreu em 1977, de insuficiência respiratória, aos 62 anos. Ela é considerada uma
das primeiras e mais importantes escritoras negras do Brasil.
14h30: Roda de Conversa de Abertura da II Jornada
Trajetória das Carolinas de Jesus da Faculdade de Letras da UFG
Cristiane
Batista do Nascimento,
do curso de Letras: Libras e Letras: tradução e interpretação em
Libras/Português.
Luciana de
Oliveira Dias, do
curso de Educação Intercultural do Núcleo Takinahakỹ de Formação Superior de
Professores Indígenas, com atuação também no Programa de Pós-Graduação em
Direitos Humanos da UFG.
Sara Guilliana
Gonzales Belaonia, do
curso de Letras: Espanhol.
Tânia Ferreira Rezende - articuladora - do curso de Letras:
Português, com atuação também no Programa de Pós-Graduação em Letras e
Linguística da UFG, área de Estudos Linguísticos, Linha de Pesquisa Linguagem,
Sociedade e Cultura.
E foi hoje, e cá estivemos nós, as Carolinas de Jesus da Faculdade de Letras da UFG... momentos de muitas emoções... tarde histórica! Inesquecível!
Foto: Vinícius Batista |
Nessa nossa caminhada terrena nos encontramos, de diferentes maneiras, por diferentes estradas e distintos motivos, em diversos momentos. O importante é que nos encontramos e nesse encontro nos doamos e nos trocamos. Nos encontramos com nossos risos, nossas dores e nossos choros... históricos, imemoriais.
Foto: Vinícius Batista |
As filhas de Jesus, de Ogun, de Exu, de Iansã, os filhos e as filhas de tantos e tantas orixás, ali silenciosos e silenciosas... silenciados e silenciadas... se deram, se entregaram, se abriram, se acolheram e se deixaram acolher pelo abraço da entrega, do dizer, do ouvir, do calar, do pensar.
Foto: Vinícius Batista |
Foto: Vinícius Batista |
Nathália fez a chamada, deu o passo inicial... a voz agarrada na garganta da mulher que receia em gritar! É a fala abafada ainda a fala que não pode falar... mas já o poder mágico... Obiah!
Foto: Vinícius Batista |
E Carolina Maria de Jesus foi clamada por Flávia Passos, que a representou, que a interpretou. E Carolina, poetisa, foi declamada por Simião Jr. A mulher grande agigantou na voz do artista que encantou. É Obiah!, poder mágico da linguagem, o poder de encantar.
Cristiane Batista nos emocionou a todas/os com sua trajetória de otimismo, seu olhar brilhante diante do mundo e sua convergência diferenciada em seu ritmo demorado, melódico e poético, poesia que nos trouxe lágrimas, demoradas lágrimas, que teimavam em se resguardar. Luciana Oliveira, que nunca soube ser só, que em sua resistência à violência masculina, doméstica, desde a concepção se unira a uma irmã, como estratégia de resistência e de sobrevivência, nos chamou à luta, dentre outras, contra a violência silenciosa e bruta da anti-intelectualidade feminina. Sara Gonzales, a estrangeira, mãe solteira de uma filha e um filho, encontrou forças na Umbanda e resistência no domínio da língua portuguesa e na formação universitária nesta terra, que é sua terra de coração, nos chama atenção para a importância de se aprender língua estrangeira e transitar pelos mundos e culturas dos outros. Tânia Rezende, a do cabelo enrolado de raiz lisa, fala de seu desmerecimento pelo cabelo e do inferiorização da mulher negra pelo cabelo, um bem simbólico. Expusemos nossas dores, nossas chagas. Choramos muito. Foi um choro coletivo como nunca antes se viu nesse miniauditório Egídio Turchi, não pelos motivos agora expostos.
Ser negra
Cristiane Batista do Nascimento
O ser negra me
deu características virtuosas,
Deu-me
paciência, já que eram necessárias horas e mais horas sentada enquanto
trançavam meus cabelos,
Deu-me
resistência a dor, pois ao pentearem meu cabelo crespo, sem uma gota de água,
lágrimas de dor escorriam da face em decorrência das puxadas do pente,
Deu-me força,
porque cada palavra negativa e racista só me fazia lutar para mostrar o meu
potencial,
Deu-me
sensibilidade para trabalhar com pessoas como eu, vítimas de rejeição,
Deu-me
motivação para querer ser melhor, tendo em vista que a preferência tinha cor
branca e cabelos “bons”
Ser negra me
fez ser melhor, pois solidarizava-me com o sofrimento e humilhações passadas
por outros, já que sofria com o mesmo mal,
Não sou vítima
do sistema,
Não tenho
necessariamente que ser babá, doméstica, atleta e musicista
Quero que fique
claro!
Não estou
desmerecendo nenhuma profissão!
Posso ser o que
eu quiser ser,
Sou negra com
muito orgulho!
Não me chame de
morena, por favor!
Gosto de ter
mais melanina!
Não me sinto
melhor e nem pior que ninguém
Quando vamos
parar de nos segregar?
Por que temos
que nos dividir em ricos e pobres? Negros e brancos?
Ser negra para
mim é um privilégio,
Não porque eu
seja melhor,
E sim porque,
enquanto fui oprimida, pude me compadecer de outros humilhados pelo sistema.
Nas expressões
da minha língua, há os pessimistas que preferem associar o negro ao ruim
Eu prefiro
dizer:
– Sou escura como a noite e meus olhos brilham
como as estrelas que só são visíveis na escuridão.
Reinvenção
2
Tânia Rezende, em Confissões de Bertoleza
A desculpa da invenção
foi a solidão no paraíso
daí pra escravização
nem navegar foi preciso
ligada pelo osso
presa pelo pescoço
por fim a eterna peia
peada fechada no medo
Cresce muda
segue assustada
calada na calada a força tange
tece trança amarra desata
sobe descobre desvenda
a venda na venda à luz
Encarnada lânguida e pérfida
Pi... (π)... navegação dos
amores
constância curva circunferência
diâmetro
encantamento feitiço magia
sonho alegria
debut debuta debocha
sorri ama cuida cama ama
alimento... alivia alimenta
enche incha prenhe emprenhada
odores sudorese lágrimas de sal
do jorro do sêmen animal
jorra o sangue vital
seio alimentação desejo
alimenta... pari passu!
Do broto à floração
Entranhas rasgadas
veias abertas
estupor
entranhas dilatadas
Pari e ri e chora e acalenta
no seio farto alimenta
refrigera o ar da terra
dá vida à luz
dá à luz a vida
cordão vital
mais um sobrevivente emocional
Fêmea na arrebentação
Cumprido o ciclo
finda a missão
ninho vazio
abandono
ingratidão
endossa a conduta
salva o conduto
jorra o sangue mortal
pedaços de alma
fragmento coronal
no outrora leito conjugal
Mulher na humilhação
Dor profunda
mágoa silenciosa
febre alucinação
sofre chora grita
revolta
tremula irrita
enlouquece
esquece
segue
Deusa na superação
Enquanto a vida rasgar a terra pra brotar
Enquanto a terra parir a vida pra fertilizar
A mulher´é mulher...mulher exclusivamente
segue
Deusa na superação
Enquanto a vida rasgar a terra pra brotar
Enquanto a terra parir a vida pra fertilizar
A mulher´é mulher...mulher exclusivamente
De fato, estes diálogos permitem refletir sobre o cânone não como instituição, mas como poder totalizante. Esperemos que haja muitas Carolinas de Jesus que nos façam tremer as bases do saber estabelecido.
ResponderExcluirS CAROLINAS ACONTECEM DIANTE DE UM BRASIL ESPECULADO PELO y A QUESTÃO!!! SUCESSO E BOAS CONVERSAS Tania... BOA NOITE DEPOIS NOS CONTE!! (e não é loucura da joaninha)
ResponderExcluirS CAROLINAS ACONTECEM DIANTE DE UM BRASIL ESPECULADO PELO y A QUESTÃO!!! SUCESSO E BOAS CONVERSAS Tania... BOA NOITE DEPOIS NOS CONTE!! (e não é loucura da joaninha)
ResponderExcluirPois estou aqui para contar. Querida Joaninha, obrigada pelo carinho de sempre. Bjssss
ResponderExcluirFoi lindo e inspirador! Parabéns as Carolinas da UFG!
ResponderExcluirExistimos e resistimos!!! Somos intelectuais negras em espaços anti-intelectuais e racistas... Parabéns Tânia por fazer com que nos víssemos, nos sentíssemos e sigamos existindo e resistindo acompanhadas.
ResponderExcluirSó foi possível porque nos vimos e nos sentimos, sem vergonha de nos ver e sentir. Foi um encontro desestabilizador! A Letras nunca mais será a mesma. Que bom que nos encontramos.
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