A
Recomendação nº 75, de 4 de abril de 2016, do MPF/GO (disponível em:
http://www.mpf.mp.br/go/sala-de-imprensa/docs/not1992-recomendacao-75-ufg),
fere acintosamente a autonomia da Universidade Federal de Goiás, em particular,
e a democracia brasileira, em geral, por se apresentar declaradamente parcial.
Depois de elencar suas atribuições, suas funções e de fundamentar sua
legitimidade na Carta Magna brasileira de 1988, o MPF/GO historiciza os
acontecimentos políticos que, segundo está afirmado no documento, culminaram
com a "deflagração do processo de impeachment ora em curso na Câmara dos
Deputados, pelo qual se pretende a cassação do atual mandato
presidencial". Esqueceu o autor do documento que na instituição receptora
da Recomendação, as pessoas têm o péssimo hábito de ler e, pior ainda, de
pensar.
Ora, a
expedição dessa "recomendação" demonstra a preocupação dos ditadores
da República Federativa do Brasil em coibir a insatisfação nacional com os
absurdos que estão sendo deflagrados no Congresso Nacional. Afirmar a
preocupação com as manifestações contrárias e a favor do impeachment é apenas
um jogo de eufemismo, pois é conhecida a história de luta das universidades
federais brasileiras contra a ditadura e contra todo tipo de saque social,
assim como são conhecidos os movimentos sociais liderados pelas universidades
em prol dos direitos sociais, da maior igualdade social, enfim, por justiça
social. Logo, a preocupação do MPF/GO é claramente coibir as manifestações em
defesa da democracia e contra a ilegalidade do impeachment. Toda a verborragia,
eivada de recursos linguísticos prolixos, característicos do discurso jurídico,
não foi suficiente para velar a verdadeira intenção da medida do MPF/GO. A
preocupação extremada com a norma linguística portuguesa conduz os/as
conservadores/as cegamente aos encantos das armadilhas estruturais e
pragmáticas do português brasileiro.
Ao
afirmar no documento (destaques meus) que: "Nesse contexto de embate
político-partidário, tem havido grandes manifestações de brasileiros que
pugnam pela cassação do mandato da Chefe do Executivo Federal;
circunstância que vem ocasionando, em contraposição, protestos de grupos
adversos ao impeachment, que clamam por sua permanência no
poder", os autores da recomendação indexicalizam, inexoravelmente, em
dois grupos opostos: manifestantes X protestantes (estamos na Reforma e na
Contra-Reforma, são tão conservadores que sequer conseguem superar o imperialismo
Romano) e, assim, caem em contradição com seus próprios argumentos: 1) quem é a
favor do impeachment, os manifestantes, são nomeados e categorizados de
"brasileiros", estes são os cidadãos legítimos, os que têm renda e
que geram divisas (apesar das evasões de divisas); ao passo que quem é contra o
impeachment, os protestantes, são situados nos "grupos adversos", sequer
são nomeados de brasileiros, sequer são cidadãos, são, provavelmente, os
assistidos que tanto incomodam os "brasileiros" bem nascidos. Os
brasileiros são os que querem o impeachment da Presidenta e os "grupos
adversos ao impeachment" são os que clamam pela permanência da Presidenta
no poder; dessa forma, 2) embora recorram à "Carta Magna" e aos
princípios republicanos para fundamentar e legitimar sua ação, seus argumentos
e sua prática estão de acordo com a constituição e os princípios do Império,
para os quais o critério fundamental de brasilidade eram a linhagem e o
patrimônio da família.
Os dois
enunciados são formados por um sujeito modificado
por uma oração adjetiva restritiva (a análise da estrutura de períodos e
orações, se essa for a escolha, pode ser muito mais detalhada, mas
para os propósitos desta discussão, basta a composição geral dos enunciados
como atos de fala e expressão de poder):
a)
([brasileiros] que [pugnam pela cassação do mandato da Chefe do Executivo
Federal])
b)
([grupos adversos ao impeachment] que [clamam por sua permanência no poder])
As
escolhas lexicais de 'pugnam' em correlação com 'cassação' de mandato, em (a),
contra 'clamam' correlacionado a 'impeachment' e 'permanência', em (b), compõem
a trama final dessa oposição.
Assim, em uma problematização geopolítica da indexicalização social dos grupos, os manifestantes e os protestantes, pelo ato de poder da nomeação, brasileiros e grupos adversos ao impeachment, complementada pela modificação nominal, foi dado a cada grupo um lugar, a um foram reconhecidos os direitos ao mesmo tempo em que ao outro foram negados os mesmos direitos; a um é garantido poder de fala pelo silenciamento velado do outro. Basta calar aquele que contesta e que protesta contra as verdades naturalizadas para que elas permaneçam. O poder da lei que silencia um, pelo silêncio faz falar o outro, o que sempre teve voz e, por isso, não precisa mais ser ouvido, porque sua mensagem já está naturalizada como certa e verdadeira.
Enfim,
toda a argumentação pautada na legalidade e na moralidade administrativa não
passa de justificativa ideológica tecida com os fios da legitimidade visando ao
convencimento e à aceitabilidade para, assim, silenciar a grande massa formada
pelos "grupos adversos ao impeachment", aqueles e aquelas que clamam
pela permanência da Presidenta no poder. Estes/as compõem a grande massa
crítica dos/as renegados/as pensantes do Brasil, os/as que a globo não consegue manipular, portanto, precisam ser intimidados/as e silenciados/as
pela lei.
Devo
advertir que, embora eu seja professora na UFG não sou posse da UFG nem capacho
do MPF-GO, Este blog é pessoal, é um espaço para minha plena liberdade de
expressão, direito que me garante a dita Carta Magna. Por isso, por opção
política e sociolinguística, não estou preocupada em escrever "à altura de
uma professora da UFG", deus me livre disso! Este não é um espaço de
publicação acadêmica, portanto, não espere aqui discussões com fundamentos e
profundidades teóricas, para isso e para acumular pontos no sicad e no lattes e
para a capes, publico artigos em livros e periódicos. Meu interesse aqui é
outro. Enfim, este não é um site oficial mantido pela UFG ou pelo MEC. Faço
aqui o que eu quero, se isso te incomoda ou ofende, a porta da rua é a serventia
da casa e os incomodados que se arretirem.
Tânia,
ResponderExcluiré um alento ter uma resposta à Recomendação nº 75, que é mais uma ação de silenciamento...
Que mais e mais respostas sejam dadas para que nossa voz seja ouvida e nossa liberdade respeitada.
Abraços,
Sinval Filho
Sim, Sinval, que venham mais respostas, fazendo coro à resposta oficial do Consuni, que o autoritarismo não nos cale mais! Chega!
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