domingo, 3 de julho de 2016

Trajetória de Estudantes Surdas do Curso de Letras: Libras da Universidade Federal de Goiás

Conhecer melhor a história das mulheres surdas
estudantes do curso de Letras: Libras
A roda de conversas foi articulada pela estudante Poliana, aluna-ouvinte do curso de Letras: Libras da Universidade Federal de Goiás. 
O primeiro desafio da tarde foi criar o sinal para Carolina Maria de Jesus, autora negra homenageada da 2ª Jornada de Estudos do Obiah. O desafio foi logo vencido com a criação do sinal pelo estudante surdo Leonardo Ferreira 
Na sequência a articuladora da Roda fez a abertura, tecendo considerações sobre a situação sociolinguística d@s surd@s brasileir@s no ambiente familiar,preponderantemente, ouvinte em língua portuguesa. 
A Libras foi a língua oficial de comunicação da roda de conversa, sendo interpretada para o português por uma intérprete e um intérprete do quadro de profissionais da Faculdade de Letras. Deu-se início à roda de conversas com a participação de quatro estudantes surdas, com a intermediação da e do intérprete, conforme mencionado, visto que na audiência havia muitas pessoas que não sabem Libras. As estudantes utilizaram também textos escritos por elas e projetados em data-show. 

Renata

No contexto familiar, não acontecia comunicação. Minha infância foi marcada por intensas terapia de fala. Os homens da minha família, pai e avô, exigiam que eu oralizasse. Minha avó, mãe e irmã, compreendiam minha especificidade e se comunicavam por gestos. Até os 17 anos, nunca tive intérprete. Já fui constrangida em sala, por ser obrigada a fazer leitura em voz alta. Não tinha vínculos afetivos profundos na escola. Cresci sozinha. Na escola era rotulada como deficiente. Quando tive intérprete pela primeira vez em outra escola, quando tive contato com outros surdos. Neste período, aprendi a libras.  Relação conflituosa com o português. Fui exigida a me expressar bem nesta língua, mas não fui ensinada. Mesmo “falando” oralmente o português, tinha marcar de uma surda expressando nessa língua. Hoje meus pais e familiares me pedem desculpas por não aceitar a surdez enquanto identidade cultural.

 
Thalia Teixeira Fernandes

Nasci surda e tenho uma irmão gêmea ouvinte. Não houve nenhuma complicação durante a gestação. O contexto familiar foi marcado por solidão e pouca interação com os pais. Na escola, sofri perseguição por ser surda. No contexto social, consegui ter vínculos afetivos mais profundo com as pessoas surdas, a partir do uso da língua de sinais.

Greice Kelly

Minha experiência foi conflituosa. Minha surdez foi adquirida, após convulsões ainda bem novinha. Não conseguia me expressar bem em língua portuguesa. A língua portuguesa me classificava. Fui rotulada de preguiçosa.

As discussões conceberam a Libras como língua de instrução, espaço de conflitos e instrumento de lutas e conquistas sociais e políticas. Foram feitas reflexão e provocações para retomada de novas posições. Todas as falas foram marcadas por muita emoção, com relatos de momentos de solidão, de situações conflituosas no contato com a língua portuguesa, bem como com a descoberta e encontro com a cultura surda, com a Libras e com os pares linguísticos.
Independente do contexto de surgimento da surdez, todas as trajetórias são marcadas por barreiras de comunicação na família. Isso fez com que esse ambiente fosse caracterizado por solidão, negação da Libras e o incentivo à oralização em língua portuguesa.  
No contexto escolar, as falas denunciam um desconforto linguístico cultural, caracterizado pela falta de intérprete, momentos de constrangimento e falta de uma metodologia que considerasse a língua de sinais. A relação com o português é conflituosa. Todas as palestrantes, em seus relatos, demostram o quanto foram cobradas para ter uma escrita que se assemelhasse à escrita do ouvinte. Mas, nunca tiveram acesso a um ensino desta língua considerando a especificidade linguístico-cultural da comunidade surda.
Renata nos emociona ao dizer que começou a ter relações interpessoais mais profundas a partir do uso da libras e do contato com seus pares. De forma semelhante, Thalia evidencia a importância da Libras na constituição do ser surdo e no estabelecimento de vínculos afetivos mais profundos.
Greice Kelly, com um tom mais político, menciona que a relação do surdo com a língua portuguesa é conflituosa, pois os surdos são classificados negativamente a partir dela, principalmente no ambiente escolar. Situação semelhante acontece com o surdo no ambiente laboral, já que todas as informações circulam prioritariamente em português. O surdo quase sempre fica alheio aos acontecimentos. Berlânia finaliza os relatos mostrando seus desafios pessoais em aprender a Libras e a motivação para adentrar nesta outra forma de significar o mundo.
Após as falas, as discussões ocorreram em torno das relações de poder entre Libras e língua portuguesa e a urgente necessidade de políticas educacionais efetivas, na atualidade, que proporcionem o acesso pleno a estas línguas e o reconhecimento e respeito da comunidade surda, principalmente no ambiente escolar, para que os surdos possam se empoderar como seres humanos e cidadãos.
Em resumo, o desconhecimento da surdez pelos profissionais da saúde, a não aceitação da surdez pela família, o desconhecimento, a não aceitação da surdez e o despreparo profissional por profissionais da educação, tudo isso associados à falta de políticas públicas voltadas para o adequado atendimento às pessoas surdas e à falta de planejamento educacional sustentado por políticas públicas e fundamentado nos direitos humanos e nos direitos civis e sociais das pessoas surdas estão fazendo com que os surdos vivam, desde que nascem, na solidão, um mal que acomete os diferentes.
Diante das trajetórias narradas pelas estudantes Renata, Berlânia, Thalia e Greice Kelly, uma pequena amostra de um complexo universo, é urgente o planejamento sério e responsável de políticas no campo da saúde e da educação, envolvendo não somente os surdos, mas, principalmente, suas famílias. É preciso esclarecer amplamente o que é a surdez e do que os surdez necessitam com urgência em suas vidas. Estamos falando de seres humanos e a vida não pode esperar.