quarta-feira, 19 de outubro de 2016

O abuso de poder do oprimido emana da opressão

sobre o Grande ato contra a reforma do ensino médio e contra a Pec 241 em Goiânia no dia 18 de outubro
Foto de Vitor Hugo (https://www.facebook.com/events/571563116377750/576050229262372/?notif_t=admin_plan_mall_activity&notif_id=1476804596264315)

A mímica surge como objeto de representação de uma diferença que é ela
mesma um processo de recusa. A mímica é assim o signo de uma articulação
dupla, uma estratégia complexa de reforma, regulação e disciplina que se “apropria” do Outro ao vislumbrar o poder. (BHABHA, 1998: 130)

Cada vez que vejo a atuação da polícia militar de Goiás sobre a população que ela deveria defender me sinto preocupada com o papel da educação pública. Foi assim que me senti ontem. Sim, participei do Grande Ato contra a reforma do ensino médio e contra a PEC 241, que aconteceu em Goiânia nesse 18 de outubro. Fui por mim, por minha filha, que não perde um ato político desde 2013, e fui pel@s estudantes que estão em luta política e corporal contra os desmandos do governo há tempos. Era um ato pacífico, organizado, politicamente intenso e assertivo. A mensagem estava dada, explicitamente. E eu lá ao lado de colegas da UFG e da educação básica. Ao longo do trajeto, havia muitas viaturas da polícia e um helicóptero sobrevoava o cortejo (rsrsrs). Por terra, a pé, éramos acompanhad@s pela intimidatória polícia, todos com cara de poucos amigos. Havia uma policial, com ar de indiferença. As jovens estudantes, em frente à Faculdade de Direito, disseram: "vamos atravessar na faixa de pedestres, pra fazer direitinho", e foram, fazer como manda a regra. O policial, quando viu a faixa cheia de estudante, apitou, chamando os carros para a travessia, desrespeitando a regra, mostrando que a prioridade não é o pedestre nem é a vida humana. Em tempo de opressão, não basta cumprir a regra nem fazer "tudo direitinho". O dominado deseja subjugar seu semelhante para se sentir superior. É um tipo de exercício de poder. Em situações de crise, em que o poder constituído é ameaçado, aumenta a necessidade de demonstração de força, porque "O Homem, que, nesta terra miserável/ Mora, entre feras, sente inevitável/Necessidade de também ser fera" (Augusto dos Anjos). É a “paranoia do poder colonial” (BHABHA, 1998), que sustentou a ditadura militar por vinte anos e que, agora, após mais de trinta anos, está sendo fortemente revitalizada no governo federal ilegítimo, exatamente por sua ilegitimidade, que o torna frágil e inseguro. Essa paranoia reverbera em Goiás como a paranoia do poder do coronelismo. O coronel goiano reproduz a imitação de si para intimidar o dominado e o manter no seu devido lugar e, assim, evitar que ele ameace o poder. Foi isso que vi no Grande Ato. Para ilustrar, uso como metáfora, a saga Anjos da noite, que conta a história da guerra entre os vampiros e os lobisomens (lycans).  Anjos da Noite: A Rebelião, lançada em 2009, sob a direção de Patrick Tatopoulos, tem participação especial de Beckinsale e Michael Sheen e Bill Nighy como os protagonistas. A Rebelião é um dos mais interessantes filmes da saga, porque os lycans se revoltam contra os vampiros, seus algozes, e os vencem. O que salva os lycans, permitindo que eles reajam e vençam seus algozes, é que, sendo metade homens e metade animais (lobos), eles são parcialmente humanos, e sua humanidade permite que, mesmo na opressão e na subjugação, eles mantenham sua capacidade de pensar e de sentir, portanto, sua capacidade de agir e de se revoltar. Esta é a chave para o entendimento do que disse Fanon sobre a relação entre os colonizados e os colonizadores, que uso para interpretar o comportamento dos policiais militares de Goiás, para além da mímica de Lacan e Bhabha. Os policiais são os lycans e imitam os vampiros, seus algozes: agridem, batem, açoitam... principalmente, aquel@s que estão desgarrad@s do bando. Esse comportamento dos policiais, diferentemente dos lycans, é uma evidência explícita de medo. São covardes. Os coronéis têm medo de que seus potenciais subjugados consigam ocupar os seus lugares e para evitar que isso aconteça, dão demonstrações cruéis de seu mandonismo. Os coronéis, os ditadores, da mesma forma que os colonizadores, vivem sob ameaça, sob a sombra e o medo do subjugado. Sua preocupação é treinar e controlar lycans para guardar seu lugar e manter seu domínio. Mas eles sabem que lycans são também homens, pensam e sentem. Seu lugar não está seguro, seu domínio nunca está mantido. O coronel tem medo e faz do seu medo movimento de ataque. Os lycans imitam o coronel e também têm medo, um medo duplo: medo do coronel, seu algoz, e medo dos subjugados, seu libertador. Os lycans imitam o coronel, fazem do seu medo movimento de ataque e atacam aquel@s a quem deveriam defender, seu igual, por medo de ser igual, por desejo de ser superior. A liberdade é dialética. Haverá liberdade se pudermos libertar, ao mesmo tempo,  o coronel de seu coronelismo, os lycans de sua ferocidade e os subjugados de sua subjugação (FANON). Isso somente é possível pela educação, uma educação libertadora, porque enquanto o sonho dos lycans for imitar os coronéis, a educação não é libertadora (PAULO FREIRE). E isso explica o ódio ao intelectualismo. Um ódio que é também medo.   



2 comentários:

  1. Enquanto a educação não seja vista desde seus processos históricos contraditórios, ela não será libertadora.

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    1. Lamentavelmente, caro Juan, essa proposta de educação está longe de acontecer no Brasil. Obrigada por sua importante participação. Abçs

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