domingo, 25 de setembro de 2016

Posturas decoloniais de enfrentamento e luta em defesa da educação

“Tapuia inventa tudo, inventa até o próprio Tapuia. 
(Ser Tapuia é ser construtor até do próprio Tapuia)”
                                                                                                       (Prof. Márcio José de Jesus Tapuia)

Prédio da Escola Estadual Cacique José Borges, Terra Indígena Carretão.
Foto: Flávia Passos
Ser Tapuia é uma luta constante, é se reinventar todos os dias, é viver cada dia enfrentando as pessoas que se dedicam a tornar sua vida mais difícil. Por isso, afirma a professora Tapuia Eunice Rodrigues, “ser Tapuia é estar sempre com o pé atrás”, porque nunca se sabe o que está por vir, sempre se tem a certeza que o que vem requer luta e enfrentamento. As lutas históricas do Povo Tapuia são pela garantia da vida e pela sobrevivência: são lutas em defesa de suas terras, pelo direito a viver sua cultura, a falar sua língua, à educação escolar. São admiráveis a postura política e as estratégias de enfrentamento do povo Tapuia frente aos desmandos e aos abusos que lhes são imputados pelas autoridades que deveriam defender seus direitos.


Oficina de artesanato Tapuia. Foto: Flávia Passos
Estivemos, nós do Obiah Grupo Transdisciplinar de Estudos Interculturais da Linguagem, a Profª Luciana de Oliveira Dias do Coletivo Rosa Parks, o Pe. Joaquim José Neto e a Denilza, da Subsecretaria de Educação de Rubiataba, no 24 de setembro de 2016, na Terra Indígena Carretão, em uma roda de conversas com os/as Tapuia: as professoras Eunice Rodrigues, Adriana Silva, Silma Aparecida Costa, o professor Cleiton, o Cacique Dorvalino Augusto, o Vice-Cacique Welington Vieira Brandão, e a Diretora da Escola Estadual Indígena Cacique José Borges, Maria Aparecida Ferraz de Lima.
A Profª Ana Elizabete Barreira Machado iniciou a conversa apresentando o resultado de sua pesquisa de mestrado, intitulada “Posturas Sociolinguísticas Decoloniais do Povo Tapuia do Carretão”, defendida e aprovada como dissertação de mestrado no Programa de Pós-graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal de Goiás. Trata-se do retorno da pesquisadora com o relatório da pesquisa para submeter à discussão com os/as interlocutores/as da pesquisa. Foi um debate caloroso e emocionado. Indescritível! Essa foi a legítima defesa do trabalho.
Equipe do Obiah na Roda de Conversa na Escola Estadual Indígena Cacique José Borges
Foto: Flávia Passos
Depois, discutimos sobre a importância de solicitarmos a inclusão do Português Tapuia no Inventário Nacional da Diversidade Linguística e também seu tombamento como patrimônio cultural imaterial da comunidade Tapuia. Foi uma conversa intensa e foi impressionante perceber como a concepção de linguagem dos/as Tapuia é politizada e transgressora, tendo-se como referência as concepções hegemônicas de linguagem, sobretudo as concepções herdeiras das epistemologias eucentradas e cristãs-cartesianas. Nosso último ponto de conversa foi sobre a urgência de políticas públicas para a educação escolar indígena. E aí, então, recebemos muitas lições de lutas e enfrentamento. Minha reflexão diante de tudo o que conversamos é: a Constituição da República Federativa do Brasil garante aos povos indígenas educação escolar diferenciada, em sua língua, respeitando seus processos próprios de aprendizagem. Por que, então, os povos indígenas têm de lutar tanto por direito à educação escolar diferenciada? “Como é que pode? Será que esse povo não conhece a lei?” Pergunta o Prof. Welington Brandão. A Profª Eunice Rodrigues discorda, declarando “Eu acho que é falta de interesse mesmo”.

Foto: Flávia Passos
Há uma tensão entre o cumprimento da Lei, de garantia da educação escolar diferenciada aos povos indígenas, e o entendimento do que seja a educação escolar indígena. No planejamento e na gestão da educação escolar indígena, ninguém nega aos povos indígenas seu direito à educação escolar intercultural. O problema é epistemológico, pois transfere-se para a escola indígena o modelo (falido) de educação das escolas não indígenas. Os/As gestores/as da educação veem os/as indígenas como crianças, porque o dominador, em sua superioridade, para se manter superior, infantiliza o dominado, é uma estratégia de dominação (baseado em F. Fanon, em Os Condenados da Terra). Por isso, os/as gestores/as educacionais acreditam que sabem o que é melhor para os/as indígenas. Mas, os/as Tapuia, que sabem, de fato, o que é melhor para eles/elas, resistem, não aceitam, enfrentam. Querem uma escola Tapuia, construída por eles/elas para eles/elas, de acordo com sua visão de mundo, com sua epistemologia, com suas concepções. Uma escola que não se preocupe em ensinar apenas as letras, mas que promova a aprendizagem das palavras, da palavramundo e das outras palavras, que permita o aprendizado do sentido da ação e do fazer, do agir e do participar e não somente do obedecer; uma escola que permita pensar, refletir e desafiar. Uma escola que promova a busca de respostas a questões como por que o direito de propriedade que proíbe o Tapuia de entrar na fazenda vizinha para visitar o cemitério ancestral de seu povo não impede o fazendeiro de invadir as terras dos Tapuia e lhes tirar o sustento? Sim, uma escola que ensine que não existe direito natural e que promova a leitura das contradições e das desigualdades impostas à vida pelas relações de poder da sociedade.  


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