sábado, 17 de setembro de 2016

Foi desvio de verba ou de atenção? O que vem lá?


"[...] Eu percebi que quando a gente ganha uma eleição, ô Wagner, a gente num ganha o poder, porque o poder é ramificado nas instituições, que existem para controlar o próprio governo; e que a burocracia de segundo e terceiro escalão, muitas vezes, tem mais força que o Presidente da República, porque não é pouca das vezes em que você toma decisão numa reunião ministerial, quando você sai anunciando ela pelo Brasil afora, um ano depois você descobre que ela tá parada na gaveta do cidadão, porque o Iphan num concordou, porque a Funai num concordou, porque o Ibama num concordou, porque o tesouro num concordou. Você vai descobrindo que você é enganado dentro da máquina. Aí eu cunhei a seguinte frase: o Presidente é uma locomotiva; a máquina pública é a estação; todo dia passa uma locomotiva nova, mas a estação tá lá, impávida; ela não muda; ela tá lá. Os funcionários são os mesmos, que são tudo concursado, tão lá. Eu de vez em quando falo que as pessoas achincalham muito os políticos, mas a profissão mais honesta é a do político. Sabe por quê? Porque todo ano, por mais ladrão que ele seja ele tem que ir pra rua, encarar o povo e pedir voto. O concursado não, se forma em uma universidade, faz um concurso e tá com o emprego garantido pro resto da vida. O político, não; ele é chamado de ladrão, é chamado de filho da mãe, é chamado de filho do pai, é chamado de tudo, mas ele tá lá, encarando, pedindo outra vez o seu emprego e, muitas vezes, consegue; outras vezes, num consegue [...]". 

Leitura do texto:
1) Enquadre textual (frame): os concursados fazem parte da máquina pública de segundo e terceiro escalão, que, na figuração linguística de Lula, é a estação, que nunca muda, que não presta conta ao povo de suas ações e de seus procedimentos. 
Então, se você, mesmo sendo servidor/a público/a federal, concursado/a e mesmo sendo corrupto/a e desonesto/a, mas se não estiver lotado/a em um órgão de segundo ou terceiro escalão, de alguma forma, diretamente ligado à Presidência da República, não precisa ficar ofendido/a, de luto, choramingoso/a, ok, você não faz parte da estação;
2) Ponto de vista defendido (contra o consenso obrigatório que "todo político é desonesto", "é proibido dizer que político é honesto": os políticos são honestos e os concursados são desonestos. 
A interpretação da Globo e da Veja, guiada pela visão maniqueísta de mundo, é tendenciosa, é maliciosa; na verdade, os políticos, de quatro em quatro anos, são postos à prova, ao passo que os/as servidores/as, aqueles/as do segundo e do terceiro escalão, não você, do estado ou do município, depois de concursados/as nunca mais são novamente reavaliados/as. 
Fica a dica: se os políticos continuam onde estão e se continuam roubando, o/a desonesto/a é o/a eleitor/a que o/a mantém lá; muito mais desonesto/a do que ele/ela, pois ele/ela se põe à prova e passa; ele pede o emprego e o emprego lhe é dado. Pensemos sobre isso. 
Lula inclusive constrói uma alegoria para ilustrar seu ponto de vista, que equivale ao nosso "quer que eu desenhe?" para não deixar dúvidas. Logo, os repúdios às suas declarações nada mais são que "declarações de culpa no cartório" ou, em bom português: a carapuça lhe serviu, cabra!  

Conclusão:
Antes de permitirmos que os/as tutores/as legítimos/as façam a leitura e nos digam qual é a interpretação do texto, façamos nós mesmos/as nossa leitura e nossa interpretação de texto; e antes de nos sentirmos ofendidos/as, façamos nosso "exame de consciência" sobre nossa condição e comprometimento de "concursado/a": Qual é o problema? Eu não tenho problema nenhum de me por à prova a qualquer momento, tenho prova e convicção de que as bancas que me aprovaram no concurso público, no mestrado (seleção, qualificação e defesa) e no doutorado (seleção, qualificação e defesa) foram bancas ilibadas, não foram bancas de amigos, compostas para me favorecer. Antes de criticar os políticos, critiquemos a nós mesmos/as que os/as elegemos, a cada pleito, mantendo-os/as em seus empregos. Serão mesmo eles/elas os/as desonestos/as ou nós que os/as elegemos, muitas vezes, às expensas de nossos valores e princípios, em nome de valores e interesses escusos?! 
O mito da expulsão do paraíso naturalizou o comportamento da busca de justificativa na tentação. Há sempre uma serpente a tentar Eva que tenta Adão e, no final das contas, a responsabilidade nunca é minha, é sempre de alguém. Olha só, o jardim do edém, Eva e Adão nunca existiram! Que a serpente não continue a decidir por nós nem a conduzir a nossa consciência.       

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