domingo, 30 de setembro de 2018

Primavera Feminista - 29 de setembro de 2018 #EleNão

No Brasil, constrói-se, em torno das eleições majoritárias de 2018, um movimento político liderado pelas mulheres em reação à postura "fascista" do candidato do PSL à presidência da república, Jair Bolsonaro, e por seus seguidores - apoiadores, eleitores. Esse movimento cresce e vai ganhando apoio e a adesão de muitos seguimentos da sociedade organizada: movimento negro, de mulheres negras, indígenas, quilombolas, lgbti+, estudantil, enfim, os grupos, historicamente oprimidos se sentem, coletivamente, indignados pela postura e pelas ofensas do candidato e se organizam politicamente num levante histórico contra ele, o movimento indexicalizado como #EleNão #EleNunca #EleJamais. As mulheres organizam grupos nas redes sociais e o grupo no Facebook é hackeado, sequestrado apropriado pelos seguidores do candidato. Isso desencadeou mais revolta e indignação, pois essa ação reflete e reproduz a exploração e a espoliação dos corpos e das consciências historicamente subjugados. A mulher que não pode ter voz nem protagonismo, mais uma vez, assiste usurpação de seu trabalho, de sua construção. Tamanha foi a indignação que muitos outros grupos semelhantes se formaram e um ato político se constrói para ocupar as ruas e se manifestar o #EleNão #EleNunca #EleJamais. Esses grupos se unem na indignação e na luta contra o opressor. 



🎶 Uma manhã, eu acordei
E ecoava: ele não, ele não, não, não
Uma manhã, eu acordei 🎶
E lutei contra um opressor
Somos mulheres, a resistência
De um Brasil sem fascismo e sem horror🎶
🎶Vamos à luta, pra derrotar
O ódio e pregar o amor (2x) 

Letra: Simone Soares e Flavia Simão. A melodia e o ritmo são de Bella Ciao, canção símbolo da resistência italiana ao fascismo. Vídeo e letra disponíveis em: <https://esquerdaonline.com.br/2018/09/24/elenao-aprenda-a-letra-da-musica-dos-atos-da-primavera-feminista/>. 

Foto: Tânia Rezende
Em Goiás, as mulheres se juntaram e também deram seu recado, a seu modo. A diversidade que forma o povo goiano estava representada pelas mulheres indígenas, negras, pardas, quilombolas, mulheres do campo, da cidade, das periferias e dos centros urbanos, mulheres de todos os lugares, de raça/cor e classe diferenciadas, de diferentes escolaridades, mas todas com letramento social, cultural e, principalmente, com forte letramento ideológico e político, todas com a mesma força de atuação política gritando forte #EleNão #EleNunca #EleJamais. Força e resistência!!!! 

Pilar, com a força de sua voz, através de sua poesia marginal, falou por nós, em bom e sonoro pretuguês:
Vídeo: Tânia Rezende

Foto: Tânia Rezende
Desde as manifestações de 2013 com maior intensidade nas manifestações de 2016, pude perceber uma distribuição social nitidamente estratificada pelos espaços das cidade. Há uma semiótica dos espaços por onde os movimentos são distribuído que reflete uma estratificação étnica e social. Na Primavera Feminista, em Goiânia, pude perceber isso também. A concentração aconteceu na Praça Cívica, onde estão o Centro Administrativo do estado e o Palácio das Esmeraldas, palácio do governo estadual, dentre outros órgãos importantes do estado. É de praxe as concentrações acontecerem na Praça Cívica. Dali, a caminhada partiu pela Avenida Goiás, a mais importante da cidade, em direção à Praça do Bandeirante, um emblema histórico, conflituoso em Goiânia, situado no cruzamento da Av. Goiás com a Av. Anhanguera. O bandeirante mais importante da história de Goiás é Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera (Diabo Velho, "velhaco"). O mito de origem de Goiás é uma narrativa anedótica, em que o herói é o bandeirante esperto, velhaco, o anhanguera (na verdade, um trapaceiro), e o nosso ancestral indígena é narrado como um ingênuo, um "bobo", porque quem narra, claro, não é o indígena. O símbolo no centro de Goiânia é de um bandeirante, não é de um indígena. Na manifestação desse 29 de setembro de 2018, uma nova narrativa, uma narrativa outra sobre o bandeirantismo surgiu pela voz de uma mulher, guerreira, indígena. 

Vídeo: Tânia Rezende

Na Praça do Bandeirante, foi feito silêncio em homenagem à Diomar Kanela, liderança feminina indígena do povo Kanela, falecida em 25 de setembro, vítima de suicídio. Uma comoção tomou de tod@s @s presentes ao ouvirmos falar sobre a morte prematura de Diomar. Estávamos na Praça do Bandeirante. 


Vídeo: Tânia Rezende


Depois da homenagem à Diomar, Mirna Anaquiri, importante liderança feminina indígena, tomou a palavra e e se pôs a denunciar o desrespeito por parte da imprensa local com sua gente e seus sentimentos e a denunciar a "matança dos povos indígenas", que ainda persiste em todo o Brasil, ao mesmo tempo em que cercávamos, ostensivamente, o anhanguera erguido na Praça. Sim, fizemos um cerco àquele monumento que tanto nos oprime com sua presença, por manter viva a memória e a prática do genocídio indígena em Goiás. As famílias tradicionais goianas fizeram suas fortunas a custa da vida, do sangue, dos povos indígenas e dos povos negros. Os homens de bem se fizeram e ainda se fazem a custa da exploração das mulheres e do abando das proles cerrado a dentro e afora. A Praça do Bandeirante está erigida sobre dor, sangue e lágrimas. Esta terra é um grande "enterro valioso" e seus donos encobrem bem os lamentos, os gemidos, as dores e as lágrimas das "viúvas usurpadas". Revivida a luta histórica de disputa pela dominação em Goiás, a caminhada, nossa luta do presente, seguiu pela Av. Anhanguera até a Praça Botafogo e de lá para a Praça Universitária, seu destino final, ignorando a Praça da Bíblia, que sempre foi um ponto de parada, em todas as manifestações. As manifestações são lutas ideológicas e políticas, mais muito mais que isso, são lutas de classe, disputas de poder. A distribuição dos espaços nas manifestações em Goiânia sempre mostraram isso. As manifestações pró-impeachment se restringiam aos setores nobres da cidade: da Praça Cívica para a Praça Tamandaré, Av. 85, Praça do Ratinho e imediações. As manifestações contrárias ao impeachment saíam da da Praça do Trabalhador, passando pela Praça do Bandeirante, da Praça da Bíblia e da Praça Universitária em direção à Praça Cívica, onde havia concentração. Quando a concentração era na Praça Cívica, a luta saía em caminhada em direção à Praça à Assembleia Legislativa ou à Praça do Bandeirante até à Praça do Trabalhador ou seguia para a Praça da Bíblia e de lá para a Praça Universitária. Em Goiânia, há uma geopolítica e uma semiótica de lugares da luta de classes, em todas as rotas de quem assume a luta de classe a partir das bases, a Praça do Bandeirante e o monumento do Anhanguera é um marco. A luta das mulheres em caminhada, nesse 29 de setembro mostrou isso de forma mais intensa, porque com essas pessoas que construíram esse dia de luta, o corpo, com toda a emoção que o constitui, faz parte da luta.     

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