sexta-feira, 30 de junho de 2017

Práticas Interculturais de Letramento de Resistência

Dia 06/07, às 8 horas, no Miniauditório Egídio Turchi, Bloco Cora Coralina da Faculdade de Letras/UFG-Goiânia, Campus Samambaia

PROGRAMAÇÃO:
8h: Abertura

8h30: Primeira rodada de falas

Bases epistemológicas do letramento das mulheres indígenas Tapuias do Carretão-Goiás

GOMES, Fabiana Cristina (G/FL/UFG)


Resumo: Desde o início da colonização da América, o “Novo Mundo”, o colonial se constituiu como exemplo de primitivismo, detentor de saberes inúteis e atrasados; ao passo que o “Velho Mundo”, a Europa colonizadora, era o exemplo de sociedade “evoluída” e moderna, cujos conhecimentos foram classificados como legítimos, válidos e úteis (MIGNOLO, 2003; 2009; QUIJANO, 2005; 2010). Assim, o colonial foi concebido como o “grau zero” (MIGNOLO, 2003) sobre o qual era necessário construir as modernas concepções de conhecimento. Houve, nesse processo, imposição epistêmica e imposição linguística do colonizador sobre os colonizados (SANTOS, 2010). A língua portuguesa, língua da elite hegemônica, foi instituída como a língua oficial da nação e, assim, passa a ser a única a gozar de prestígio social. No mesmo compasso, as práticas linguísticas e os saberes dos povos subalternizados foram silenciados e invisibilizados, mesmo os daqueles que falavam a língua hegemônica. Esse panorama nos permite afirmar que a língua oficial encobriu a pluralidade linguística presente no território brasileiro. As políticas educacionais do Estado deixam isso explícito, ao impor um programa do “bem ler”, “bem falar” e “bem escrever” presente nas propostas  hegemônicas de ensino de Língua Portuguesa. Há, portanto, um padrão linguístico que deve ser alcançado, construído a partir do modelo de práticas linguísticas da elite social desde o período da colonização, mantendo-se até os dias atuais. Apesar do linguicídio e do epistemicídio ser mantido nos diversos espaços, principalmente na escola, a principal agência de letramento, é preciso reconhecer que há resistências a esse sistema homogeneizante de uso da linguagem e de construção de conhecimento. Uma das formas de resistência que apresentamos nesta discussão é a defesa que Eunice Rodrigues Tapuia faz, em 2011, do Português Tapuia ser a língua indígena do povo Tapuia do Carretão. Com seu grito de insurgência do Português Tapuia a professora Eunice Tapuia defende o direito de seu povo falar a própria língua, uma contraparte do “português padrão”, e não ser oprimido e subalternizado por não corresponder a uma “imagem de controle” (COLLINS, 2000) do que seja ser indígena, estabelecida pela elite social brasileira. Entendemos que a imposição de um padrão linguístico do português é um dos mecanismos de opressão e subalternização sobre os povos indígenas e que a defesa de Eunice Rodrigues Tapuia (2011) levanta uma luta mais ampla em favor da pluralidade e da diversidade linguística presente no território brasileiro. Pluralidade e diversidade essas não contempladas nas políticas de letramento vigentes no Brasil. Diante disso, o objetivo deste trabalho é problematizar as práticas históricas de apagamento da epistemologia subalternizada das mulheres Tapuias, por meio do silenciamento de sua língua pelos diversos espaços de poder, que impõem às Tapuias a não adaptação e conformidade, mas, pelo contrário, têm acarretado o confronto e a resistência a essas imposições. A defesa de uma prática linguística que desobedeça aos padrões estabelecidos contribui para a construção de uma proposta de letramento não hegemônico, uma proposta de letramento intercultural decolonial, que contemple as diversas práticas linguísticas da sociedade e que reconheça e valorize sua diversidade.
Palavras-chave: Decolonialidade. Interculturalidade. Epistemologia feminina indígena. Letramento de resistência. Norma padrão do português.

A (R)existência das mulheres dentro do movimento hip hop nas batalhas de MC em Goiânia-Goiás

ALMEIDA, Flavia Cristina Passos de (G/FL/UFG)




Resumo:O objetivo deste trabalho é mostrar a (r)existência das mulheres dentro do movimento Hip Hop nas batalhas de MC. O Hip Hop é a união de quatro elementos artísticos, a saber: o grafite, a arte espalhada pelos muros da cidade, o break dance conduzido pelos corpos e as atitudes dos dançarinos, os B. girls e B. boys, o rap (ritmo e poesia), que é regido pelo MC (Mestre de Cerimônia), e o DJ (disc-jóquei), que faz as mixagens. Essa cultura constituiu-se a partir da década de 1970, nos guetos negros de Nova York, e, no Brasil, ganhou visibilidade a partir da década de 1980, na cidade de São Paulo (PIMENTEL, 1997). Falar sobre o processo de reprodução dos elementos da cultura hip hop por parte de jovens goianienses é uma tentativa de mostrar mais um grupo diverso dos padrões hegemônicos impostos pela sociedade. Esse grupo se constitui em uma luta por reconhecimento, por espaços e possibilidades, visto que a juventude que se apropria dos elementos dessa cultura são jovens das periferias das grandes cidades, jovens pobres e esquecidos pelas políticas públicas, pelos processos de integração e constituição identitária nacional e regional. Através da transcrição de fragmentos de falas nas batalhas, registradas em vídeos, pretendo mostrar que mesmo dentro do Hip Hop, que é uma cultura de pratica social de resistência, a figura da mulher ainda é de  luta por uma representatividade maior dentro do movimento. De acordo com Spivak(2010), o termo subalterno significa pertencer às camadas mais baixas da sociedade, ser excluído dos mercados, das representatividades políticas e legais e da possibilidade de se tornar membro pleno no extrato social dominante. Dentro de uma relação de completa desigualdade, em que o que não se encaixa nos valores padronizados é consequentemente marginalizado, emerge a resistência dos que se encontram em situações subalternizadas e que querem ter voz para tornar o mundo mais justo e igualitário. O medo da classe dominante de perder seus privilégios gera atitudes opressoras e projetos de silenciamento daqueles que não se enquadram nos padrões hegemônicos impostos pela sociedade. Para reestruturar a sociedade de forma mais justa e igualitária é preciso que haja representatividade política das diversas culturas existentes nessa sociedade. Se essa representatividade vier de alguém que não faça parte desse grupo subalternizado, essa será uma tentativa em vão, pois só corroborará com o discurso hegemônico de que o próprio subalterno não é capaz de discutir sobre suas condições e dificuldades (SPIVAK,2010).  As identidades presentes na cultura Hip Hop evidenciam as diversas desigualdades sociais existentes no Brasil, entre elas as questões raciais, econômicas e as desigualdades engendradas pela discriminação de gênero (MATSUNAGA, 2008). Assim, os fatores étnicos e sociais são cruciais para estabelecimento do lugar que lhes são devidos dentro da estrutura social. Dentro do movimento Hip Hop de Goiânia existe a participação de mulheres que vêm se integrando ao movimento e usando a cultura das batalhas de MC para problematizar o espaço onde vivem e suas condições na sociedade. Essa organização não é simplificada pela participação dessas mulheres nas batalhas, envolve também a participação feminina no movimento Hip Hop em produzir eventos, angariar verba para os eventos, além de criar laços afetivos com as mulheres dessa comunidade. Nos meses de maio e junho desse ano aconteceram várias batalhas de MC na região central da cidade de Goiânia. Para evitar a abordagem da polícia, os participantes se reúnem e fazem o som da batida produzida na hora com os beat boys, que dão ritmo às rimas dos versos dos MC, evitando que o som seja alto o suficiente para chamar a atenção de qualquer ação coerciva que interrompa a ação de resistência. O Hip Hop é uma cultura em que as questões étnicas e sociais se convergem como resultado de letramentos múltiplos porque passaram os jovens nos espaços extraescolares. Ele pode ser utilizado como um instrumento que propicia a expressão de histórias de vida e de construção social do que é ser negro e pobre no Brasil, concorre para a construção das representações da forma com que os jovens se veem e problematiza o olhar social que os enxerga e os classifica como marginais (MOREIRA, 2011). As batalhas observadas são denominadas batalhas de sangue e têm como tema principal ofender o adversário, assim como eles entendem que são tratados pela sociedade, que tende a marginalizar o jovem negro e pobre. As mulheres que participam dessas batalhas possuem um perfil um pouco diferente dos participantes do evento, pois além de resistir à sua condição de marginalizada, lutam para conquistar o seu lugar de fala e respeito dentro do próprio grupo.

Palavras-chave: Hip Hop. Atuação das Mulheres. Resistência. Letramento. 

Letramento de resistência: o que as paredes pichadas têm a dizer?


                                                        FERREIRA, Sandra Jardim de Menezes (PG/IELT-UEG)





Resumo: Este trabalho trata das pichações nas paredes das ruas, concebidas como estratégias e práticas de letramento, a fim de compreender suas realidades sociais como formas de (não) resistência aos duros padrões de exclusão social. Esta pesquisa busca analisar pichações nas paredes da cidade de Itapuranga-Go, com foco no letramento de resistência que elas podem expressar nesse contexto específico. Diante das dificuldades e conflitos sociais impostos por padrões culturais hegemônicos e colonizadores, os grupos sociais marginalizados no Brasil que são invisibilizados por grande parte da sociedade buscam a partir da escrita, e por meio das pichações resistirem e dar vozes as suas angústias e identidades. Observando o número de pichações espalhados pela cidade, pude observar que são vozes que buscam ser ouvidas pela sociedade, já que a pichação é vista de forma marginal, o que me provocou uma inquietação e me levou a pensar nos possíveis tipos de letramentos contidos neste tipo de escrita. O letramento de resistência, porém, diante da sua importância e da necessidade de valorizar a escrita como prática social valoriza vozes que buscam ser ouvidas através das pichações, configura-se então, o cerne de uma inquietação a partir de minhas observações.

Palavras-chave: Letramento de resistência. Letramento de rua. Pichações.  



9h40: Intervalo


10 horas: Segunda rodada de falas 

Encarceramento sociolinguístico do subalternizado

                                                                         TAVARES, Amanda Moreira (PG/FL/UFG)


Resumo: A presente proposta de discussão visa analisar a construção social da subalternidade, os modos de silenciamento de subalternizados e a produção escrita de pessoas subalternizadas, encarceradas, como letramento decolonial de resistência. Spivak (2010) discute o conceito de subalterno a partir da mulher ocidental, considerando o fato de ser uma pessoa subalterna que, como as demais, não tem voz e não é ouvida. Ressalta-se aqui a pessoa subalternizada encarcerada fisicamente, que, muitas vezes, vive em situação de tripla subalternidade: negro, pobre e preso. A sociedade institui o apagamento total do preso enquanto ser inferiorizado. Qualquer manifestação que o diferencie dos demais partilhará em sua condição, também de subalternizado, das exclusões próprias de um sistema opressor. Entretanto, o preso faz uso da escrita como uma forma de atuação social, levando em consideração que muitos escrevem ao juiz para pedir benefícios em relação ao cumprimento da pena. Ao escreverem, nem eles, os presos escritores, nem os juízes, os receptadores finais da escrita dos presos, estão preocupados com o padrão correto de escrita que a hegemonia linguística da modernidade colonial impõe. Para fundamentar a discussão, será considerada a autobiografia de um reeducando da Unidade Prisional de São Luís de Montes Belos-GO, concebida como prática do letramento de resistência de corpos e vozes encarcerados. Tal reeducando, um senhor oriundo do nordeste do país, que teve pouco ou nenhum contato com o letramento escolar oficial, ao receber a proposta de escrita autobiográfica, respondeu escrevendo nove páginas, as quais refletem um padrão gramatical diferente do padrão hegemônico, além de apontar para a possibilidade de existência de uma epistemologia desobediente da colonial. Os excluídos, ao se posicionarem como escritores, ganham estatutos de representação dos desvalidos, dos anônimos, dos ausentes, dos silenciados. Parafraseando a pergunta de Spivak (2010), perguntamos: Pode o preso falar? A resposta mais imediata que temos disponível é um grave “não”, não pode! Mesmo sabendo das políticas intersubjetivas dentro dos presídios, onde alguns presos detêm todo o poder, superando, muitas vezes, o próprio poder estatal, o preso não pode falar. Não é só seu corpo que está encarcerado, sua voz também está! Ser preso no Brasil é estar em pleno conflito com o mundo que o cerca. País de inúmeras desigualdades sociais, que violenta a pessoa humana nos seus espaços de culturalização. O presídio é silencioso, os corpos são domesticados e as vozes são silenciadas.

Palavras-chave: Encarceramento. Decolonialidade. Letramento. Subalternidade.




Letramentos em línguas orais para pessoas surdas

LIMA, Hildomar José de (PG/FL/UFG)



Resumo: A diferença entre libras e português não se restringe apenas à distinção entre línguas, mas também entre modalidades linguísticas (visuoespacial versus oral-auditiva). Essa última implica necessariamente que se repense as formas de interação da pessoa surda com o mundo por meio da língua oral que ela se propõe aprender. No caso das pessoas surdas brasileiras, mesmo quando a família ou a própria pessoa decide que a libras deverá ser a língua veicular de instrução, o português tem posição política soberana, pois é a língua que dá acesso aos conhecimentos trazidos nos materiais didático-pedagógicos, é a língua das relações educacionais diárias e é ela que norteará, portanto, as práticas de letramentos em línguas orais para pessoas surdas nos contextos de aprendizagem formal. Este trabalho tem como objetivo refletir sobre os modos específicos que caracterizam as práticas linguísticas das pessoas surdas, resultantes de uma cosmovisão epistemologicamente visual, e a partir disso problematizar as práticas de letramentos em português para surdos/as usuários/as de libras. As reflexões serão feitas com base, especialmente, na concepção de leitura apresentada por Paulo Freire (1989) e nos estudos sobre letramento de Maria do Rosário Longo Mortatti (2004), Brian V. Street (2005) e José Henrique de Freitas Santos (2016), os quais não reduzem letramentos aos atos de ler e escrever, nem consideram essa uma prática que se pode generalizar. Considera-se, portanto, que embora ler e escrever sejam duas habilidades relevantes para a atuação efetiva sobre a realidade de mundo de cada grupo linguístico, ser letrado não se restringe ao domínio dessas habilidades, senão ser capaz de adentrar os universos cultural e linguisticamente constituídos. Nesse sentido, é imprescindível que os universos sejam observados, sentidos e posteriormente expressos por meio de recursos que a língua do/a aprendiz dispõe, e não o contrário. Sentir o mundo é, pois, a forma mais efetiva de leitura e não é necessário que se submeta a convenção de códigos escritos para isso. No universo daqueles em que a língua natural é de modalidade visuoespacial o mundo do outro será trazido para uma cosmovisão epistemologicamente visual.
Palavras-chave: Letramento. Português do surdo. Práticas escritas do surdo.





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