En Abya Ayala, las venas abiertas pulsan, em Pindorama abrasada,
la sangre cubre los colores todos, os corpos tremem e eu he llorado o choro e
he lutado la lucha de las madres de grelo duro
Ando em
silêncio, há dias, somente me defendendo, quando sou agredida, mas em silêncio,
observando, pensando, refletindo, pensando muito. Não tenho problemas em
assumir meus erros, em assumir que sou incoerente, afinal, estamos no mundo de passagem
e para aprender. A vida é uma aprendizagem. Respeito as opiniões, as decisões e
as escolhas, desde que sou respeitada. Gosto do debate, do diálogo e das
trocas, somos incompletos/as e as conversas, às vezes, nos completam.
Ultimamente, entretanto, me sinto participando da montagem de um quebra-cabeças e sinto que muitas
peças não se encaixam. Isso é bom, desafia minhas estratégias de leitura e de
interpretação do comportamento sociolinguístico brasileiro. Por exemplo, não me
convence a bandeira do combate à corrupção, porque quem está à frente do movimento, empunhando essa bandeira são lideranças políticas muito corruptas, sabemos disso. As classes sociais que
compraram essa briga são as que sempre se beneficiaram da cultura da corrupção.
Há muita hipocrisia no ar, não dá pra não ver. Essa bandeira é falsa. Essa gente nunca se preocupou com o Brasil, só se preocupa com seus próprios interesses.
Enfim, observei bem as manifestações do dia 13 de março, como pesquisadora social que sou, como cientista social que sou. Nesse
18 de março, fiz o mesmo e minha atenção foi para a Praça Cívica, em Goiânia, além do cenário nacional. Na Praça Cívica, ao contrário de quem se
manifestava em defesa da democracia e ao contrário de quem se manifestava
contra a corrupção, meu olhar e minha escuta eram da observadora que queria ter
certeza do que já vinha desconfiando. Apesar disso, nem em meus mais lunáticos delírios
conspiratórios eu imaginaria que iria presenciar o que aconteceu rapidamente
ali, no santuário da administração do estado de Goiás: o centro administrativo,
o entorno da Praça Cívica, foi cercado por caminhões de manifestantes “contrários à corrupção no governo federal”, para
impedir que os manifestantes em “defesa da democracia” tomassem a Praça Cívica. Isso não aconteceu, com a mesma proporção, no dia 13 de março.
Minha
interpretação (afetada e subjetiva, não tenho a intenção de ser hipócrita) dos
fatos confirma minhas desconfianças. Se essas pessoas são contrárias às
corrupções e o governo de Goiás está envolto em escândalos e
denúncias de corrupção, não seria o caso de aproveitarem o momento para fazerem um
movimento só? Por que serem contrários somente às corrupções do governo federal?
Só as corrupções do PT são criminosas? Outra coisa que me chamou a atenção foi o
comportamento das pessoas: os manifestantes que “defendiam” a Praça Cívica” se
comportavam como verdadeiros “capangas” de coronéis, autoritários, grossos, sem educação, "donos do pedaço". Ou seja, o governador de
Goiás representa muito do povo de Goiás. Que choque! Percebi ali a consciência popular do geopoder
constituído. Ouvi várias vezes as pessoas dizerem: “se quiserem fazer bagunça e
apoiar esse governo corrupto vão fazer isso na Praça Universitária ou na Praça
da Bíblia, que é lugar de baderneiro e de pobre”. Em Goiânia, a Praça Cívica, o Marista, o Bueno, o Oeste e outros lugares por ali, são espaços reservados para os defensores “da moral” e
dos “bons costumes”, aqueles/as que saem pras ruas “contra a corrupção”, embora
se beneficiem todos os dias da cultura da corrupção. Mas, eles/elas podem,
afinal, o Brasil sempre foi deles/delas, por isso, querem o “Brasil de volta”. A
Praça da Bíblia e suas imediações é lugar da gente pobre; a Praça Universitária
e suas imediações é o espaço dos/as baderneiros/as, estudantes e
professores/as, os/as espancados/as pelas autoridades policiais em nome da
ordem.
Assistindo a
tudo isso e refletindo historicamente sobre a formação do Brasil e sobre a
construção de Goiânia, pensando no mapa de Goiânia, me veio à cabeça o último relatório sobre o mapa da fome
no planeta e em como o Brasil conseguiu em poucos anos tirar da fome e da
miséria muita gente. Vejam bem, estou falando de fome. Pensando em direitos
humanos, pensando que no dia 13 de março, as classes sociais que já nasceram
com foro privilegiado, foram às ruas,
simplesmente porque “é melhor do que ficar em casa reclamando”, e tiveram o
direito de se manifestar onde quiseram, como quiseram; e que nesse 18 de março,
houve clara interdição de espaço de manifestação, porque aqui “no meu espaço,
pobre e baderneiro não se cria”.
Depois de
ontem, eu não tenho mais dúvida, tudo o que está acontecendo no Brasil é uma forma de
os/as herdeiros/as das capitanias hereditárias colocarem os/as “bastardos/as no
seu lugar” e, claro, “pegarem o Brasil de volta”. Esse é o sentido histórico do "queremos o Brasil de volta". Eles/elas são tão
descarados/as e subestimam tanto a capacidade de entendimento do/a brasileiro/a
ou contam tanto com a ignorância do/a brasileiro/a que deixam suas intenções
muito às claras. Nem disfarçam, não precisam.
E, claro, têm os “pés-rapados”, que ficam atrás, fazendo coro,
acreditando piamente que sabem o que estão fazendo, afinal, “quem não
puxa-saco, puxa-carroça” ou “é melhor ir pra rua do que ficar em casa reclamando”,
são os parcos argumentos dos/as alienados/as, que ficam desesperadamente
catando migalhas, na ilusão classista de que participam do banquete, sem querer
enxergar o fato cruel de que nunca farão parte do banquete.
Vendo tudo isso, a real ameaça às perdas de
conquistas históricas das classes sempre injustiçadas (e a maior prova disso é a forma como os reacionários tentam jogar as minorias contra o governo), eu ontem chorei. Eu
ontem chorei de indignação, de humilhação, de decepção. Não por nomes ou siglas, pouco me importam as pessoas e seus partidos. Eu ontem chorei o choro
coletivo e histórico, o choro de sangue que escorre nas veias ainda abertas da
América Latina e do Brasil por mais de 500 anos. Eu ontem, diante dos/as
herdeiros/as dos/as assassinos/as, todos homens de bem, sustentados por alguma mulher de grelo duro, chorei pelo sangue dos meus ancestrais
assassinados por mais de 500 anos.
Eu sou sim,
e assumo, a mulher negra, pobre, estuprada e explorada; a bisneta, a neta
e a filha dos negros e dos índios assassinados, a que ficou órfã, sem terra,
sem teto e sem comida. Eu sou sim a mulher do grelo duro, que cria e que
sustenta sozinha a filha do homem branco de bem (hetero, cristão, empresário, casado, maçom, bem vestido, bem calçado, falante de português padrão, com curso superior completo etc), porque em terra de macho, toda
mulher, feminista ou não, tem o grelo duro, é uma questão de sobrevivência.
Muito bom.
ResponderExcluirPerspicaz, muito bem contextualizado e com sinceridade em dose certa, que me aproximou do texto.
Parabéns!
Obrigada pela leitura atenciosa e crítica, principalmente das metáforas, Murilo. A maioria dos leitores, por não entenderem as metáforas, não estão conseguindo entender os efeitos de sentidos do textos. Seja bem vindo ao blog.
ExcluirCom certeza, Profa.. Nosso estupro é histórico e atemporal, e mais ainda ao gênero que o "macho" cataloga como "mais fraco".
ResponderExcluirCom certeza, Juan, e pelo jeito não parece parar por agora, ainda mais com essas teorias pós-estruturalistas dando forças e garantias à permanências da ordem do mundo, apenas com disfarces contra-hegemônicos.
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