ÍCARO AUGUSTO SANTOS
Expressar minhas percepções de
como sou em um mundo cisheteropatriarcal não é uma tarefa fácil, é um exercício
mental e físico que abre feridas que esse mundo eurocêntrico impõe nas
intersecções de subalternização do meu corpo. Ser gay, negro e de origem do
vale do são patrício, é trazer comigo um passado machista, racista e
patriarcal, que estão imbricados na construção da minha identidade. Assumir que
minha cor de pele, é o que condiciona o meu destino na sociedade, e entender
que minha orientação sexual e minha classe social, podem me matar a qualquer
momento, é viver com medo de ser quem eu sou. Falar sobre minha subjetividade
quanto indivíduo de uma sociedade que sempre me negou esse direito e colocar no
papel, as tristes dores e marcas de opressão no meu corpo doem a cada palavra.
Parar para refletir quem eu sou é mexer na minha ferida, mas que mesmo
sangrando sei que é necessário o curativo para sarar. Sim, escrevo chorando,
pois sempre me foi dito que chorar não é coisa de homem, que ser frágil é coisa
de mulher. Não, chorar é coisa de gente, coisa de gente que sofre coisa de
gente que sente dor. Ande igual homem, ouvia quando criança. Fale como um homem
ouvia a todo tempo. Corte este cabelo, você está parecendo “bicho do mato”,
ouço até hoje. Assumir quem eu sou é ir contrário a todas essas violências que
me foram acometidas durante toda minha vida, por isso, escrevo aos meus,
escrevo a cada jovem gay que se sente com medo por ser quem é, escrevo com a
força de meus antepassados, que morreram para que hoje eu pudesse aqui estar.
Este texto surge por meio de encontros realizados por intermédio de uma Prática
como Componente Curricular, na Faculdade de Letras da Universidade de Goiás,
com o projeto intitulado: Expressões de percepções: como é ser o que você é no
mundo cisheteropatriarcal, com orientação da professora Drª Tânia Resende, na
qual pude experimentar o quão bom é ter alguém para se conversar. Sendo assim,
surge a proposta de criação de um dicionário bilíngue de Libras/ Português, que
abrangem sinais da comunidade LGBTI+, comunidades as quais me encontro
inserido, com o intuito de levar informação à comunidade surda, logo, já trago
aqui um pequeno vocabulário, tendo em vista que alguns outros sinais ainda estão
sendo estudados pela comunidade surda. Para isso, é importante destacar que, os Surdos por muitos
séculos tiveram seus direitos violados, uma vez que, eram impedidos de se
comunicarem por meio das línguas de sinais. A grande maioria das escolas
proibia o uso das línguas de sinais e forçava a oralização e leitura labial em
seus alunos surdos. Quando os surdos desobedeciam estas ordens, eram castigados
fisicamente e tinham suas mãos amarradas dentro de sala de aula (GESSER, 2009).
Os movimentos de surdos (as), bem como os movimentos sociais da comunidade
LGBTI+ no Brasil, desde muitos anos, têm buscado o debate para a formação de
políticas públicas que assegurem seus direitos como cidadãos (ãs) brasileiros
(as). Diante disso, no ano de 2002, foi sancionada a “Lei da Libras”, Lei
10.436, que reconhece a Língua Brasileira de Sinais (Libras), como instrumento
legal de comunicação da comunidade surda, propiciando assim a surdos (as),
ocuparem espaços na sociedade que antes lhes eram negados. Além disso, vale
ainda salientar, que os movimentos LBGTI+ no Brasil, surgem com a criação da
Associação Brasileira de Lébicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e
Intersexos (ABGLT), fundada em 31 de janeiro do ano de 1995, com a participação
de 31 grupos, tornou-se hoje uma rede nacional de mais de 300 organizações
afiliadas, sendo a maior organização de gênero da América Latina e Caribe, na
qual, tem como objetivo e missão:
promover
ações que garantam a cidadania e os direitos humanos de LGBTs, contribuindo
para a construção de uma sociedade democrática, na qual nenhuma pessoa seja
submetida a quaisquer formas de discriminação, coerção e violência, em razão de
suas orientações sexuais e identidades de gênero (ABGLT, 2019).
É importante destacar, que a
ABGLT, recebeu em 27 de julho de 2009, o status consultivo junto ao Conselho
Econômico e Social das Nações Unidas, propiciando ao movimento, reconhecimento
e atuação de consultora a governos e perita técnica perante a ONU, fortalecendo
ainda mais a luta da comunidade, no país que mais mata pessoas da comunidade
LGBTI+ do mundo (ABGLT, 2019). Dado exposto as questões sociais, cabe
ainda observarmos que toda língua necessita de um sistema de escrita, e que as
línguas de sinais, assim como as línguas orais, têm suas especificidades
linguísticas e a sua necessidade de uma escrita suficiente e propícia para seus
registros de língua viva. Por certo, a Escrita das Línguas de Sinais (ELiS),
contempla toda essa complexidade e riqueza, por ser um sistema de escrita
alfabético e linear (BARROS, 2015). A saber, os caracteres que contemplam o
sistema de escrita de sinais ELiS são denominados de “visografemas” e
representam os elementos constituintes das línguas de sinais, sendo eles:
configurações de dedos; orientações da palma; pontos de articulação; movimento
e expressões não manuais, contemplando assim todos os aspectos das línguas de
sinais (BARROS, 2015). Além disso, é composta por apenas 95 (noventa e cinco)
visografemas, sendo eles: Configuração de dedos (CD), com 10 visografemas;
orientação da palama (OP), com seis visografemas; ponto de articulação (PA),
com 35 visografemas; e movimento (M) com 44 visografemas. Além dos
visografemas, o sistema tem uma série de regras grafotáticas próprias, a ordem
dos visografemas deve ser sempre respeitada: CD,OP,PA,M. Sendo assim, a
proposta de dicionário, traz em suas entradas, os sinais escritos em ELiS, e
com a utilização da tecnologia “qrcode” (que se pode ter acesso por meio de
aparelhos eletrônicos como smartphones e tabletes) também ao vídeo do sinal. Para
além de sinal e palavra, a proposta também traz a definição, com o intuito de
além de apresentar o sinal e sua escrita, também sua significação para
informação da comunidade, como pensamento futuro, tem-se o objetivo ainda de
tradução de todas as definições em língua portuguesa, também para vídeo em
Libras, utilizando da mesma tecnologia de qrcode.
Além disso, a proposta de criação de um dicionário objetiva aqui, refletir
sobre a dicionarização de termos da comunidade LGBTI+, na luta contra essa
sociedade cisheteropatriarcal, pensando
assim, na dicionarização como lugar de poder e legitimação de termos na norma
culta da língua. Por fim, trago um protótipo do dicionário a qual desejo
construir, na luta contra a LGBTFOBIA, levando conhecimento a todos e
principalmente a comunidade surda, a qual é minha casa.
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LGBTI+: Movimento político e social de
inclusão de pessoas de diversas orientações sexuais e identidades de gênero.
L: Lésbicas; G: Gays; B: Bisexuais; T: Transexuais ou Transgêneros; I:
Intersexo; + demais possibilidades de identidades de gênero e/ou orientação sexual.
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Gênero: conjunto de valores
socialmente construídos que definem as diferentes características
(emocionais, afetivas, intelectuais ou físicas) e os comportamentos que cada
sociedade designa para homens e mulheres. Diferente do sexo, que vem
determinado como o nascimento, o gênero se aprende e se pode modificar,
sendo, portanto, cultural e socialmente construído.
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Identidade de Gênero: refere-se ao gênero com o qual
a pessoa se identifica (se ela se identifica como sendo um homem, uma mulher
ou se ela vê a si como fora do “padrão” convencional). Esse gênero com o qual
ela se identifica pode ou não concordar com o gênero que lhe foi atribuído
quando de seu nascimento. Identidade de gênero e orientação sexual são
dimensões diferentes e que não se confundem. Pessoas transexuais podem ser
heterossexuais, lésbicas, gays ou bissexuais, tanto quanto as pessoas
cisgênero.
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Orientação Sexual: Termo utilizado em referencia
à orientação do desejo sexual.
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Cisgênero: pessoa cuja identidade de
gênero é a mesma de seu sexo biológico.
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Travesti: identidade histórico-política,
construída sócio culturalmente, da pessoa que é designada como sendo do sexo
masculino, transiciona do masculino ao feminino e vive 24 horas no gênero
feminino. Em reconhecimento e respeito a esta identidade deve-se sempre dizer
a travesti e nunca o travesti.
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Transexual : pessoa que possui uma
identidade de gênero oposta ao sexo designado (normalmente no nascimento).
Geralmente usa hormônios, mas há exceções. Nem toda pessoa transexual deseja
fazer cirurgia para mudança de sexo.
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Héterossexual: pessoa que sente atração
física e afetiva por pessoa oposta ao sexo ou gênero.
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Homossexual: pessoa que sente atração
física e afetiva por pessoa do mesmo sexo ou gênero.
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Bissexual: Pessoa que sente atração
sexual por mais de um gênero. A diferença entre a bissexualidade e a
homossexualidade é que também pode haver hipótese de atração entre pessoas do
sexo oposto.
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Gay: palavra inglesa utilizada para
designar o indivíduo (homem ou mulher) homossexual. Embora, algumas vezes,
gay seja usado para designar homens e mulheres homossexuais e bissexuais, tal
uso tem sido constantemente rejeitado por implicar na invisibilidade da lesbianidade
e da bissexualidade. Sendo assim, a palavra gay é utilizada no senso comum,
para se referir a homens que sentem atração afetivo/sexual por outros homens.
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Lésbica: mulher que experimenta amor
romântico e/ou atração sexual por outras mulheres.
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Drag queen : são personagens criados por
artistas performáticos que se travestem, fantasiando-se cômica ou
exageradamente com o intuito geralmente profissional artístico. Chama-se drag
queen a pessoa que se veste com roupas exageradas femininas estilizadas e
drag king a pessoa que se veste como homem. A transformação em drag queen (ou
king) geralmente envolve, por parte do artista, a criação de um personagem
caracteristicamente cômico e/ou exagerado.
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wgsqzJÌbkçJb/tgcv@Ên
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Homofobia // aversão, ódio, atitudes e
sentimentos negativos a pessoas homossexuais.
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ygqyqtqqqgb/tgcv@Ên
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Gayfobia / aversão, ódio, atitudes e
sentimentos negativos a pessoas gays.
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tgqlJábklJb/tgcv@Ên
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Lesbofobia / aversão, ódio, atitudes e
sentimentos negativos a pessoas lésbicas.
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tgzK>êÄ
b/tgcv@Ên
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Transfobia // ódio ou intolerância as
pessoas transexuais e a diversidade de gênero a partir da crença de que a
identidade/expressão sexual de uma pessoa deve corresponder ao seu sexo
biológico.
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qgqwgzlç%_-éè b/tgcv@Ên
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LGBTFOBIA: aversão, ódio, atitudes e
sentimentos negativos a pessoas da comunidade LGBTI+.
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REFERÊNCIAS
ABGLT. Associação Brasileira de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transexuais. Disponível em: <http://www.abglt.org.br/port/index.php>. Acesso em: 10 nov. 2019.
BARROS,
Mariângela Estelita. ELiS – Sistema
brasileiro de escrita das línguas de sinais. Porto Alegre: Penso, 2015.
BRASIL.
Lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de
Sinais – Libras e dá outras providências. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil. Brasília, 24 abr. 2002. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2005/decreto/d5626.htm.
Acesso em: 15 set. 2018.
GESSER,
Audrei. LIBRAS? que língua é essa?:
crenças e preconceitos em torno da língua de HAIRSTON, Ernest; SMITH, Linwood. Black and deaf in America: are that different. TJ
Publishers, Inc., 1983.
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