sobre o Grande ato contra a reforma do ensino médio e contra a Pec 241 em Goiânia no dia 18 de outubro
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Foto de Vitor Hugo (https://www.facebook.com/events/571563116377750/576050229262372/?notif_t=admin_plan_mall_activity¬if_id=1476804596264315) |
A mímica surge como objeto de representação de uma
diferença que é ela
mesma um processo de recusa. A mímica é assim o
signo de uma articulação
dupla, uma estratégia complexa de reforma, regulação e
disciplina que se “apropria” do Outro ao vislumbrar o poder. (BHABHA, 1998: 130)
Cada vez que vejo a atuação da polícia militar de Goiás
sobre a população que ela deveria defender me sinto preocupada com o papel da
educação pública. Foi assim que me senti ontem. Sim, participei do Grande Ato
contra a reforma do ensino médio e contra a PEC 241, que aconteceu em Goiânia nesse
18 de outubro. Fui por mim, por minha filha, que não perde um ato político
desde 2013, e fui pel@s estudantes que estão em luta política e corporal contra
os desmandos do governo há tempos. Era um ato pacífico, organizado,
politicamente intenso e assertivo. A mensagem estava dada, explicitamente. E eu
lá ao lado de colegas da UFG e da educação básica. Ao longo do trajeto, havia
muitas viaturas da polícia e um helicóptero sobrevoava o cortejo (rsrsrs). Por
terra, a pé, éramos acompanhad@s pela intimidatória polícia, todos
com cara de poucos amigos. Havia uma policial, com ar de indiferença. As jovens estudantes, em frente à Faculdade de Direito, disseram: "vamos atravessar na faixa de pedestres, pra fazer direitinho", e foram, fazer como manda a regra. O policial, quando viu a faixa cheia de estudante, apitou, chamando os carros para a travessia, desrespeitando a regra, mostrando que a prioridade não é o pedestre nem é a vida humana. Em tempo de opressão, não basta cumprir a regra nem fazer "tudo direitinho". O
dominado deseja subjugar seu semelhante para se sentir superior. É um tipo de exercício de poder. Em situações de crise, em
que o poder constituído é ameaçado, aumenta a necessidade de demonstração de força, porque "O Homem, que, nesta terra miserável/ Mora, entre feras,
sente inevitável/Necessidade de também ser fera" (Augusto dos Anjos). É a “paranoia do poder colonial” (BHABHA, 1998), que sustentou a ditadura
militar por vinte anos e que, agora, após mais de trinta anos, está sendo fortemente revitalizada no governo
federal ilegítimo, exatamente por sua ilegitimidade, que o torna frágil e inseguro. Essa paranoia reverbera em Goiás como a paranoia do poder
do coronelismo. O coronel goiano reproduz a imitação de si para intimidar o
dominado e o manter no seu devido lugar e, assim, evitar que ele ameace o poder.
Foi isso que vi no Grande Ato. Para ilustrar, uso como metáfora, a saga Anjos da noite, que conta a história da
guerra entre os vampiros e os lobisomens (lycans). Anjos
da Noite: A Rebelião, lançada em
2009, sob a direção de Patrick Tatopoulos, tem participação especial de Beckinsale e Michael Sheen e Bill Nighy como os protagonistas.
A Rebelião é um dos mais interessantes filmes da saga, porque os lycans se
revoltam contra os vampiros, seus algozes, e os vencem. O que salva os lycans,
permitindo que eles reajam e vençam seus algozes, é que, sendo metade homens e
metade animais (lobos), eles são parcialmente humanos, e sua
humanidade permite que, mesmo na opressão e na subjugação, eles mantenham sua
capacidade de pensar e de sentir, portanto, sua capacidade de agir e de se
revoltar. Esta é a chave para o entendimento do que disse Fanon sobre a
relação entre os colonizados e os colonizadores, que uso para interpretar o
comportamento dos policiais militares de Goiás, para além da mímica de Lacan e Bhabha. Os policiais são os lycans e
imitam os vampiros, seus algozes: agridem, batem, açoitam... principalmente, aquel@s que estão desgarrad@s do bando.
Esse comportamento dos policiais, diferentemente dos lycans, é uma evidência
explícita de medo. São covardes. Os coronéis têm medo de que seus potenciais
subjugados consigam ocupar os seus lugares e para evitar que isso aconteça, dão
demonstrações cruéis de seu mandonismo. Os coronéis, os
ditadores, da mesma forma que os colonizadores, vivem sob ameaça, sob a sombra
e o medo do subjugado. Sua preocupação é treinar e controlar lycans para
guardar seu lugar e manter seu domínio. Mas eles sabem que lycans são também
homens, pensam e sentem. Seu lugar não está seguro, seu domínio nunca está
mantido. O coronel tem medo e faz do seu medo movimento de ataque. Os lycans
imitam o coronel e também têm medo, um medo duplo: medo do coronel, seu algoz,
e medo dos subjugados, seu libertador. Os lycans imitam o coronel, fazem do seu
medo movimento de ataque e atacam aquel@s a quem deveriam defender, seu igual,
por medo de ser igual, por desejo de ser superior. A liberdade é dialética. Haverá
liberdade se pudermos libertar, ao mesmo tempo, o coronel de seu coronelismo, os lycans de sua ferocidade e os subjugados de sua subjugação (FANON). Isso somente é possível pela educação, uma educação libertadora, porque enquanto o sonho dos lycans for imitar os coronéis, a educação não é libertadora (PAULO FREIRE). E isso
explica o ódio ao intelectualismo. Um ódio que é também medo.