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Conhecer melhor a história das mulheres surdas estudantes do curso de Letras: Libras |
A roda de conversas foi articulada pela estudante Poliana, aluna-ouvinte do curso de Letras: Libras da Universidade Federal de Goiás.
O primeiro desafio da tarde foi criar o sinal para Carolina Maria de Jesus, autora negra homenageada da 2ª Jornada de Estudos do Obiah. O desafio foi logo vencido com a criação do sinal pelo estudante surdo Leonardo
Ferreira.
Na sequência a articuladora da Roda fez a abertura, tecendo considerações sobre a situação sociolinguística d@s surd@s brasileir@s no ambiente
familiar,preponderantemente, ouvinte em língua portuguesa.
A Libras foi a língua oficial de comunicação da roda de conversa, sendo interpretada para o português por uma intérprete e um intérprete do quadro de profissionais da Faculdade de Letras. Deu-se início à roda de conversas com a participação de quatro estudantes surdas, com a intermediação da e do intérprete, conforme mencionado, visto que na audiência havia muitas pessoas que não sabem Libras. As estudantes utilizaram também textos escritos por elas e projetados em data-show.
Renata
No
contexto familiar, não acontecia comunicação. Minha infância foi marcada por
intensas terapia de fala. Os homens da minha família, pai e avô, exigiam que eu
oralizasse. Minha avó, mãe e irmã, compreendiam minha especificidade e se
comunicavam por gestos. Até os 17 anos, nunca tive intérprete. Já fui
constrangida em sala, por ser obrigada a fazer leitura em voz alta. Não tinha
vínculos afetivos profundos na escola. Cresci sozinha. Na escola era rotulada
como deficiente. Quando tive intérprete pela primeira vez em outra escola,
quando tive contato com outros surdos. Neste período, aprendi a libras. Relação conflituosa com o português. Fui
exigida a me expressar bem nesta língua, mas não fui ensinada. Mesmo “falando”
oralmente o português, tinha marcar de uma surda expressando nessa língua. Hoje
meus pais e familiares me pedem desculpas por não aceitar a surdez enquanto
identidade cultural.
Thalia Teixeira Fernandes
Nasci
surda e tenho uma irmão gêmea ouvinte. Não houve nenhuma complicação durante a
gestação. O contexto familiar foi marcado por solidão e pouca interação com os
pais. Na escola, sofri perseguição por ser surda. No contexto social, consegui
ter vínculos afetivos mais profundo com as pessoas surdas, a partir do uso da
língua de sinais.
Greice Kelly
Minha
experiência foi conflituosa. Minha surdez foi adquirida, após convulsões ainda
bem novinha. Não conseguia me expressar bem em língua portuguesa. A língua
portuguesa me classificava. Fui rotulada de preguiçosa.
As discussões conceberam a Libras como
língua de instrução, espaço de conflitos e instrumento de lutas e conquistas sociais e políticas. Foram feitas reflexão e provocações
para retomada de novas posições. Todas as falas foram marcadas por muita
emoção, com relatos de momentos de solidão, de situações conflituosas no contato com a
língua portuguesa, bem como com a descoberta e encontro com a cultura surda, com a Libras
e com os pares linguísticos.
Independente do contexto de surgimento da
surdez, todas as trajetórias são marcadas por barreiras de comunicação na família. Isso fez com que esse ambiente
fosse caracterizado por solidão, negação da Libras e o incentivo à oralização em língua portuguesa.
No contexto escolar, as falas denunciam um
desconforto linguístico cultural, caracterizado pela falta de intérprete,
momentos de constrangimento e falta de uma metodologia que considerasse a
língua de sinais. A relação com o português é conflituosa. Todas as
palestrantes, em seus relatos, demostram o quanto foram cobradas para ter uma
escrita que se assemelhasse à escrita do ouvinte. Mas, nunca tiveram acesso a
um ensino desta língua considerando a especificidade linguístico-cultural da
comunidade surda.
Renata nos
emociona ao dizer que começou a ter relações interpessoais mais profundas a
partir do uso da libras e do contato com seus pares. De forma semelhante,
Thalia evidencia a importância da Libras na constituição do ser surdo e no
estabelecimento de vínculos afetivos mais profundos.
Greice Kelly, com um tom mais político, menciona
que a relação do surdo com a língua portuguesa é conflituosa, pois os surdos
são classificados negativamente a partir dela, principalmente no ambiente escolar. Situação
semelhante acontece com o surdo no ambiente laboral, já que todas as
informações circulam prioritariamente em português. O surdo quase sempre fica alheio aos acontecimentos. Berlânia finaliza os relatos mostrando seus desafios
pessoais em aprender a Libras e a motivação para adentrar nesta outra forma de
significar o mundo.
Após as falas, as discussões ocorreram em
torno das relações de poder entre Libras e língua portuguesa e a
urgente necessidade de políticas educacionais efetivas, na atualidade, que
proporcionem o acesso pleno a estas línguas e o reconhecimento e respeito da comunidade
surda, principalmente no ambiente escolar, para que os surdos possam se empoderar como seres humanos e cidadãos.
Em resumo, o desconhecimento da surdez pelos profissionais da saúde, a não aceitação da surdez pela família, o desconhecimento, a não aceitação da surdez e o despreparo profissional por profissionais da educação, tudo isso associados à falta de políticas públicas voltadas para o adequado atendimento às pessoas surdas e à falta de planejamento educacional sustentado por políticas públicas e fundamentado nos direitos humanos e nos direitos civis e sociais das pessoas surdas estão fazendo com que os surdos vivam, desde que nascem, na solidão, um mal que acomete os diferentes.
Diante das trajetórias narradas pelas estudantes Renata, Berlânia, Thalia e Greice Kelly, uma pequena amostra de um complexo universo, é urgente o planejamento sério e responsável de políticas no campo da saúde e da educação, envolvendo não somente os surdos, mas, principalmente, suas famílias. É preciso esclarecer amplamente o que é a surdez e do que os surdez necessitam com urgência em suas vidas. Estamos falando de seres humanos e a vida não pode esperar.